domingo, 31 de julho de 2016

Histórias da Casa Branca: sim, ainda podemos


TEXTO PUBLICADO NO SITE TVI24.IOL.PT, A 28 DE JULHO DE 2016:

Esperança no lugar da dificuldade; esperança no lugar da incerteza. A audácia da esperança! América, fizeste vigorar a esperança nestes últimos oito anos. E agora estou pronto para passar o testemunho e fazer a minha parte enquanto cidadão comum. Neste ano, nesta eleição, estou aqui a pedir que se juntem a mim -- na rejeição do cinismo, na rejeição do medo, para que prevaleça o melhor de nós; para elegermos Hillary Clinton como próxima Presidente dos EUA e mostrarmos ao mundo que ainda acreditamos na promessa desta grande nação. Obrigado por esta incrível caminhada. Vamos continuar a seguir em frente. Que Deus abençoe os Estados Unidos da América."
BARACK OBAMA, Presidente dos EUA, discurso na Convenção de Filadélfia, 27 de julho de 2016


"Donald Trump não sabe nada de nada. É o candidato mais mal preparado de sempre."
JOE BIDEN, vice-presidente dos EUA, discurso na Convenção de Filadélfia, 27 de julho de 2016


Foi, provavelmente, o último grande discurso político de Barack Obama enquanto ainda é Presidente dos EUA. E foi uma demonstração poderosa e eloquente de como o campo democrata está unido em torno da necessidade de ajudar Hillary Clinton a derrotar Donald Trump, a 8 de novembro.

Depois de Michelle Obama ter definido Hillary como "alguém que nunca cede à pressão", um "exemplo inspirador" para as suas filhas, e de Bill Clinton ter rotulado a sua mulher de de "change maker", o atual inquilino da Casa Branca fez a coisa por menos: "Hillary Clinton é a melhor candidata possível. Não há ninguém mais qualificado para ser Presidente dos EUA do que ela. Nem eu, nem Bill: ninguém. Temos a obrigação de dar o melhor de nós para ajudarmos a elegê-la", destacou Barack, no palco do Wells Fargo Center, de Filadélfia.

O Presidente fez questão de expor uma visão otimista, positiva e confiante do valor e das capacidades da América: "Os EUA são grandes. Continuam a ser grandes. E não precisamos que Donald Trump nos diga que somos."

O mote estava lançado: durante 45 minutos, Obama não só exortou as melhores qualidades daquela que deseja venha a ser a sua sucessora, como não se coibiu de atacar fortemente o nomeado presidencial republicano.


E em termos não muito habituais num Barack Obama geralmente mais moderado na forma e nas palavras. "No mundo não se entende o que se está a passar nestas eleições. Trump pretende tirar proveito de tudo o que possa beneficiar, colocando umas pessoas contra os outros, lançando ideias falsas, para isolar o país do resto do mundo. Mas os americanos são fortes, já derrotaram comunistas, fascistas e demagogos", declarou.

Rejeitou as teses declinistas e negativas de Trump sobre o suposto enfraquecimento dos EUA nos últimos oito anos e defendeu a herança que pretende deixar a Hillary.
Com Hillary Clinton, a América pode ser ainda maior. Ainda mais forte. Porque nunca houve ninguém tão qualificado como ela para exercer a função de liderar este grande país", insistiu Obama.
A América de Obama é positiva, multilateral e a apontar para a esperança. Para o ainda Presidente dos EUA, a América de Trump seria negativa, a jogar com o medo. Luz versus escuridão.
Sem poupar nas palavras, Barack acusou: "Trump pretende uma América dividida, assustada, com medo. Mas a América ainda é a cidade luminosa na colina."

Luz versus escuridão



Dificilmente assistiríamos a duas convenções tão distintas e opostas como a que se realizou em Cleveland, na semana passada, e nomeou Donald Trump, e a que termina esta madrugada em Filadélfia, com o discurso de aceitação de Hillary Clinton.
No mundo não se entende o que se está a passar nestas eleições. Trump pretende tirar proveito de tudo o que possa beneficiar, colocando umas pessoas contra os outros, lançando ideias falsas, para isolar o país do resto do mundo. Mas os americanos são fortes, já derrotaram comunistas, fascistas e demagogos", declarou Barack Obama.
No modo assertivo como separou as "extraordinárias qualificações de Hillary" e o rol de críticas e defeitos que apontou a Trump, Obama quis deixar a ideia, nesta passagem de testemunho em 2016 após ter sido o nomeado democrata das convenções de 2008 e 2012 (e a grande revelação na de 2004, com o discurso de elogio a Kerry que o lançou no plano nacional e internacional), de que "yes we still can" (sim, ainda podemos).
Hillary até entrou de surpresa em palco, no fim do discurso de Barack, e ambos abraçaram-se e agradeceram à multidão em êxtase. Missão cumprida: estava passado o testemunho.

Fogo intenso sobre Donald

Foi um dia de ataques sem piedade dos democratas a Donald Trump. O discurso de Obama foi, obviamente, o prato forte, mas houve outras intervenções de relevo, sempre de setas apontadas ao nomeado republicano.

Michael Bloomberg, um dos trunfos da candidatura lançados nesta convenção, arrasou Trump. Chamou-o "mentiroso", "hipócrita", alguém que "não é de confiança".

Antigo mayor de Nova Iorque, o milionário independente (primeiro democrata. depois eleito pelo Partido Republicano quando liderou a câmara de Nova Iorque, mas entretanto mais próximo dos democratas outra vez), não hesitou em dar o seu endorsment a Hillary Clinton, porque é "uma pessoa saudável, preparada, que conhece o mundo".
Deus nos livre de vermos Trump na Casa Branca. Ele não percebe o execionalismo americano, não tem dimensão para o cargo. Prefere lançar bombas a resolver problemas", apontou Bloomberg.

Por registo parecido andou Joe Biden. O vice-presidente, no seu estilo terra a terra, de quem fala diretamente com o americano comum, lançou: "Trump não faz ideia do que é ser Presidente dos EUA". Em tom apaixonado, por vezes agressivo até, Joe criticou o estilo de Trump, até na forma como Donald aparecia no programa «The Apprentice»: "Como se pode ter prazer em despedir alguém? Em privar uma pessoa do seu trabalho?"

Tim marca pontos

Tim Kaine foi confirmado pela Convenção como candidato a vice no ticket de Hillary. Aproveitou para dar-se a conhecer no grande palco nacional, ele que é figura importante no Partido Democrata há vários anos (foi governador da Virgínia, líder do Comité Nacional e é agora senador) e também ele marcou pontos ao elogiar Hillary e arrasar Trump ("não se pode confiar numa palavra que diga").


Jerry Brown, governador da Califórnia, e Martin O'Malley, ex-governador do Maryland e ex-candidato nas primárias democratas, protagonizaram outros momentos altos do dia 3, ao defenderem com convicção e poder cénico o caso de Hillary e a urgência em travar Trump.

Tudo num dia em que Donald Trump terá mesmo feito a declaração mais grave desde que é candidato à presidência: apelou, em plena conferência de Imprensa, aos russos para que investiguem os emails de Hillary no Departamento de Estado e, caso os tenham, que os deem "ao FBI e aos media". Uma atitude prontamente considerada de "irresponsável" não só por setores democratas, mas também por elementos ligados à Defesa e Relações Externas.

Hillary não poupou nas palavras: "Já não estamos no plano da política ou da curiosidade. Isto é um caso de segurança nacional."
 

Histórias da Casa Branca: ninguém consegue nada sozinho, o recado de Hillary a Donald


TEXTO PUBLICADO NO SITE TVI24.IOL.PT, A 29 DE JULHO DE 2016:

Não acreditem em ninguém que diga que ‘eu, sozinho, vou melhorar tudo'. Sozinho? A sério, Donald? Ele está a esquecer-se de cada um de nós. Os americanos não dizem 'eu, sozinho, vou melhorar tudo'. Nós dizemos que 'nós, juntos, vamos melhorar tudo' ".
HILLARY CLINTON, discurso de aceitação da nomeação democrata, Convenção de Filadélfia



Hillary Clinton não é uma oradora tão brilhante como o seu marido, Bill, ou como o Presidente Obama. E talvez não tenha a capacidade inspiradora, fundada numa simplicidade genuína e sem artificialismos, como tem Michelle Obama, protagonista de um dos momentos mais marcantes dos quatro dias de Convenção Democrata, em Filadélfia, Pensilvânia.

Mas foi aos pontos fortes do que é preciso reforçar nesta fase da corrida, no lado democrata, e atingiu os objetivos na noite mais importante da sua carreira política: pôs a plateia do Wells Fargo Center unida e em êxtase, cenário que, no início da semana, se afigurava muito pouco provável, perante as críticas da "bancada Sanders".

Durante quase uma hora, o primeiro discurso de aceitação presidencial com uma voz feminina foi claro: os democratas representam a inclusão, Donald Trump a divisão; Hillary quer unir, Trump insiste em separar; Clinton vê progresso no quebrar de barreiras e distâncias, Donald fala em construir muros e distanciar culturas. Nunca um duelo presidencial representou diferenças tão fortes.

Bem à imagem do que sempre foi na vida e na política, Hillary abdicou do brilho e preferiu a consistência. Fez discurso bem construído, muito completo, a ir aos pontos essenciais: arrasou Trump; sinalizou estar de coração com a "plataforma progressista" de Bernie Sanders e vai incluir ideias dessa ala nas suas propostas para a Casa Branca; abraçou, sem hesitações, a herança política deixada por oito anos de Presidência Obama.

Hillary elogiou os "fantásticos progressos" feitos nos últimos oito anos, lembrando que Barack herdou "a pior crise dos nosso tempo de vida" e colocou os EUA "de volta à recuperação económica".

Mas fez questão de falar, também, para os descontentes que, sobretudo no Midwest, em estados que podem decidir a eleição geral (Ohio, Pensilvânia, Michigan, Wisconsin...), têm "razões para se sentir frustrados e até zangados" com a falta de soluções do poder federal e dos políticos que estão em Washington.

Ilibando o Presidente, Hillary tem uma tese para o que está a falhar: "Nos sítios onde a economia está a falhar, isso acontece porque a nossa democracia está a falhar". Uma crítica ao clima de impasse e paralisação que marcou a atitude do Congresso dominado pelos republicanos nos últimos anos.

A nomeada democrata enumerou várias razões pelas quais os indecisos e os eleitores flutuantes ou desconfiados devem escolher a sua plataforma. Mas dedicou uma boa parte do seu discurso a explicar porque é que não se deve votar em Donald Trump.

Arrasou várias diatribes de Donald, sobretudo aquela em que o candidato republicano disse, na Convenção de Cleveland, que conseguiria "sozinho" resolver problemas como a pressão migratória.

«Sozinho? A sério, Donald?», atirou Hillary. A nomeada democrata tinha um recado para o s
seu homólogo republicano: "Ninguém consegue nada sozinho. Juntos somos mais fortes. Escrevi há 20 anos um livro com o título 'It takes a village'. Na altura, alguns amigos perguntaram: 'que raio é que isso quer dizer?'. Nesta fase a resposta é fácil: é preciso uma comunidade, uma família, um conjunto de atividades como os professores, os bombeiros, os médicos, para que as coisas funcionem. Isto só faz sentido de estivermos juntos. Unidos, com inclusão. Donald Trump diz que resolve as coisas sozinho. Donald, isso não é possível. 'It takes a village'.."

Não, Donald, não sabes

As críticas a Trump foram mais fundas.

Hillary não poupou o caráter divisivo do estilo de Donald.

Acusou-o de estar a ter atitude indigna para um nomeado presidencial de um grande partido e alertou os seus apoiantes para os riscos que esta eleição comporta -- e em como é fundamental dar tudo pela mobilização. “Os nossos fundadores receberam de braços abertos a verdade inabalável de que nós somos mais forte juntos. Agora, a América está outra vez num momento decisivo. Forças poderosas ameaçam-nos com a divisão. Os laços de confiança estão a fraquejar. E tal como aconteceu com os nossos fundadores, não há garantias. Temos de decidir se vamos todos trabalhar juntos para que nos possamos todos erguer juntos.”

Donald não sabe o que diz quando promete resolver tudo sozinho: eis o recado que Hillary tinha para dar ao seu rival na noite da aceitação: “Não estará ele esquecido das tropas na linha da frente, dos polícias e dos bombeiros que correm em direção ao perigo, dos médicos e enfermeiros que tratam de nós, dos professores que mudam vidas, dos empreendedores que veem possibilidades em todos os problemas, das mães que perderam crianças para a violência e que estão a construir um movimento para manter outras crianças seguras? Ele está a esquecer-se de cada um de nós. Os americanos não dizem ‘eu, sozinho, vou melhorar tudo’. Nós dizemos que ‘nós, juntos, vamos melhorar tudo’.”
A noite do discurso mais importante (e talvez o mais bem construído) da carreira de Hillary Clinton foi pontuada por outros momentos altos, como a intervenção apaixonada de Jennifer Granholm, antiga governadora do Michigan, democrata 'hard', com fortes ligações a setores que estão, nos estados do Midwest, a hesitar entre Hillary e a Trump. Jennifer terminou com muito humor e crítica para Trump: "Donald, Donald... You're so vain. I bet you think this speech is about you..." (numa alusão à letra de Carly Simon).

O reverendo William Barber protagonizou outro momento forte, com um discurso poderoso e certeiro, de dez minutos, a mostrar uma América unida e inclusiva, que não apela ao medo do outro e à ignorância.

E, claro, houve Chelsea, a única filha de Hillary e Bill, que apresentou a mãe com um discurso pontuado de memórias pessoais e uma conclusão forte: "Ela nunca se esquece de quem está a tentar ajudar e por quem está a lutar. No dia seguinte a ter perdido a batalha pela Reforma da Saúde, nos anos 90, a minha mãe estava exausta. Mas seguiu em frente e encontrou formas de continuar a ajudar as crianças que precisavam de cuidados de saúde. Espero que, um dia, os meus filhos tenham tanto orgulho em mim como eu tenho na minha mãe: a futura Presidente dos EUA, Hillary Clinton.»

Histórias da Casa Branca: Hillary, a «change maker»


TEXTO PUBLICADO NO SITE TVI24.IOL.PT, A 27 DE JULHO DE 2016:

Bill Clinton assinou um dos grandes discursos da Convenção Democrata, contou (como só ele sabe fazer) a história de como conheceu em Yale, «na primavera de 1971», a mulher que viria a tornar-se a primeira a ser nomeada presidencial de um grande partido do sistema.
Em todos os sítios onde esteve, Hillary mudou as coisas para melhor. Fê-lo como nunca vi ninguém fazê-lo. Nas atuais circunstâncias da história, para este momento em concreto, ela é a melhor candidata possível. A mais qualificada para o que se exige e para o que é preciso. Hillary é uma change maker."
A plateia da Convenção, que no primeiro dia chegou a ter uma percentagem grande de descontentes e revoltados pela forma como Hillary foi beneficiada pelas estruturas do partido, rendeu-se finalmente. Bill, em discurso poderoso e inspirador, apresentou de forma brilhante o caso a favor da sua mulher.
E sem nunca precisar de nomear Trump, foi pontuando a sua narrativa com elogios a Hillary que contrapunham, na perfeição, com os defeitos de Donald: "Sem se preocupar com as luzes da ribalta, sem saber se havia câmaras de televisão, Hillary conseguiu mudar as coisas para melhor. E fê-lo sendo mãe, e sendo esposa, e sendo advogada. Tendo uma carreira profissional e política."

Noutras "farpas" ao nomeado republicano, Bill lembrou o trabalho feito por Hillary com mulheres e jovens deficientes: "Ela puxava pelo melhor deles, mostrando as capacidades que eles tinham. Não se ria com as deficiências que poderiam apresentar". E o mesmo em relação ao trabalho feito por Hillary, enquanto senadora, no Comité de Defesa e Forças Armadas: "Ela sempre soube que os nossos veteranos de guerra são heróis e são exemplos, não são falhados ou derrotados".

Desenvolvendo uma estrutura de discurso muito peculiar, que só ele sabe fazer com aquela mestria, começou no estilo storytelling e só a meio foi exibindo trunfos e vitórias políticas e profissionais de Hillary. Cativados pela parte pessoal da história, os delegados democratas ficaram, assim, mais propensos a aplaudir as partes em que apareciam os aspetos mais políticos -- uma estratégia brilhante de Bill, para terminar de vez com as desconfianças do setor progressista, afeto a Bernie Sanders, com o apoio a Hillary.

Numa eleição em que Hillary está a ser rotulada de «candidata do sistema», «herdeira do establishment» e «perpetuada no poder há várias décadas», em contraponto com um Donald Trump que se reclama a «voz de quem quer mudar o establishment», esta forma hábil e bem construída de Bill Clinton apresentar a esposa como uma «change maker» pode ajudar na ideia forte que a candidata democrata tem que desenvolver nos próximos três meses: a de que, ela sim, consegue mudar as coisas para melhor, ela sim será a «change maker» que os americanos pretendem.
 
O «caso de Bill» por uma Hillary «change maker» foi o momento alto do segundo dia ("ela fê-lo em todo os sítios onde passou na vida", repetiu o 42.º Presidente dos EUA, "acho que se alguém a deixasse um dia num sítio inóspito e voltasse uns tempos depois, esse local teria ficado bem interessante e construtivo, graças ao seu poder transformador"), mas houve também Madeleine Albright, a primeira mulher a chefia a diplomacia americana (1997-2001, segundo mandato de Bill Clinton) a decretar em favor de Hillary: "Conheço-a há 25 anos e continuo a ficar impressionada com a sua preparação e capacidade. Não tenho dúvidas de que ela é a pessoa certa para o cargo de Presidente dos EUA nesta altura".


E também Madeleine teve uma «indireta» a Trump, insinuando que se Donald vencesse Putin se ficaria a rir: "Como é possível que haja americanos que pensem votar num candidato que diz que 'em matéria de liderança daria um A a Vladimir Putin'?"

«Girl on Fire» - Hillary depois de 44 homens

Meryl Streep foi ao palco recordar a luta de várias mulheres para serem as primeiras na história nas respetivas funções. Alicia Keys cantou «In Common» e antes exortou "os apoiantes de Bernie e os apoiantes de Hillary a unirem-se finalmente".


Foi o aquecimento para outro grande momento da noite em Filadélfia: no videowall passaram, de forma rápida, 44 rostos masculinos. O primeiro foi o de George Washington, o último deles foi o de Barack Hussein Obama. E logo a seguir a verem-se todos os presidentes da história americana, apareceu em grande plano Hillary Clinton, impecavelmente penteada e de vermelho, enquanto passava a música «Girl on Fire».

O público foi ao delírio, Hillary, em direto e à distância, falou à Convenção agradecendo a nomeação e lembrando que "se quebrou finalmente o teto de vidro", numa referência a ser a primeira mulher nomeada. A candidata deixou de aparecer em grande plano e passámos a ver que ela estava acompanhada de várias raparigas americanas, de diferentes idades e origens. "A partir de agora, todas elas podem sonhar com tudo", exortou Hillary.


Antes disso, na convenção passaram vários testemunhos de familiares de vítimas ou de sobreviventes do 11 de Setembro de 2001, para passar a ideia de que Hillary, enquanto senadora por Nova Iorque,"ajudou e esteve lá sem nunca cobrar por isso". E até houve críticas à forma como Donald Trump, enquanto grande empresário nova-iorquino, não ajudou as vítimas do 11 de Setembro, limitando-se a dizer que "as suas empresas e propriedades não tinham sido afetadas".

Ao segundo dia, a Convenção rendeu-se a Hillary e ficou a conhecer trunfos que não estava a apontar à candidata democrata.

Esta noite, o momento alto será de Barack Obama. E espera-se que o Presidente retribua o apoio de Hillary em 2008 com um discurso em que explique as razões que o fizeram, desde cedo, apontar a sua antiga secretária de Estado como a pessoa ideal para o suceder na Casa Branca.





Histórias da Casa Branca: a Convenção Democrata, do caos à mobilização


TEXTO PUBLICADO NO SITE TVI24.IOL.PT, A 26 DE JULHO DE 2016:

No início parecia que iria ser o caos. Mas o decorrer do primeiro dia da Convenção do Partido Democrata, em Filadélfia, mostrou um campo democrata com força e capacidade mobilizadora para se juntar em torno da candidatura de Hillary Clinton, unidos pelo objetivo comum de derrotar Donald Trump.

Primeiro a revolta.

Nas horas que antecederam o arranque dos trabalhos em Filadélfia, rebentou a bronca: Debbie Wasserman Schultz, líder do Comité Nacional do Partido Democrata (DNC), anunciou que iria demitir-se após a convenção, na sequência da revelação, pelo Wikileaks, de 20 mil emails comprometedores para a suposta neutralidade que era exigida ao DNC, no duelo pela nomeação presidencial, entre Hillary e Sanders.

O conteúdo de alguns dos emails era claro ao apontar para favorecimento dos interesses de Hillary, e para uma tentativa do DNC de prejudicar Sanders.

Do ponto de vista da mera análise política, não havia grande novidade: ao longo do processo de primárias, foi relativamente claro que o DNC e as elites democratas preferiam Hillary, a
a candidata do «establishment», a Bernie, o candidato «outsider» e profundamente crítico do «sistema». O próprio Sanders comentou, numa reação à polémica, que «não foi surpresa para quem está no nosso campo ver que o DNC estava a fazer tudo para que Hillary vencesse».

No campo de Clinton, os alarmes começaram a soar. Robby Mook, diretor da campanha de Hillary, foi claro na acusação, em entrevista à CNN: «Há uma ligação direta e de interesses comuns entre a campanha Trump e os russos».

Embora a candidata não tenha sido tão explícita nessa tese (em entrevista conjunta à CBS com o seu candidato a vice, Tim Kaine, limitou-se a dizer que nada sabia sobre o que o DNC estava a fazer e que nunca pactuaria com atitude menos éticas), a posição da candidatura Hillary foi mesmo a de que a Rússia de Putin terá estado por trás das revelações feitas pelo wikileaks (no «Defense One», associado ao «Huffington Post», falou-se numa fonte ligada a serviços de inteligência russos).

Temeu-se o pior nas hostes democratas. Revoltados, os apoiantes de Sanders assobiavam em plena convenção quando ouviam o nome de Hillary e defendiam que Tim Kaine, ligado a interesses de Wall Street, deixasse de ser a escolha para número dois, advogando a entrada do próprio Bernie para o ticket.

Mas a tempestade política amainou em Filadélfia com as primeiras intervenções da convenção.

Elizabeth Warren, uma das campeãs da ala progressista, foi clara, na «keynote adress», a defender que Hillary Clinton tem toda a legitimidade na nomeação e merece a unidade do partido. Bernie Sanders, em intervenção que por certo não esquecerá, chegou a ser assobiado por alguns dos seus próprios apoiantes, quando apelou de forma clara ao voto em Hillary, mas defendeu o seu caso com coragem e firmeza: «Donald Trump é o pior candidato que vi na minha vida. Temos que o travar. Tem que ser derrotado. Hillary Clinton é a melhor pessoa para o fazer e merece o nosso voto. Vamos unir-nos em torno de Hillary!»

A política, de facto, dá muitas voltas.

Michelle, fantástica

E houve também Michelle Obama.

A Primeira Dama assinou um dos melhores momentos dos últimos anos da política americana, com um discurso notável, misto de emoção e razão, muito bem pensado, muito bem construído e muito bem concretizado.

Mobilizadora, mostrou que os Obama estão com Hillary de coração. Michelle terá retribuído, com este elogio a Hillary, o que Bill fez por Barack há quatro anos (um dos melhores discursos alguma vez feitos em convenções) e falou de Hillary como alguém que admira muito porque «nunca desiste e nunca cede à pressão».

Falando sempre de Hillary como um exemplo e uma referência, falou nas filhas e em como elas «se inspiram e acreditam» vendo o percurso de uma mulher como a nomeada democrata de 2016.
Deixem-me dizer-vos que Barack e eu seguimos, em cada ação, em cada decisão, a mesma abordagem como pais que seguimos nas nossas vidas como presidente e primeira dama, porque sabemos que as nossas ações interessam, que as nossas palavras contam, não apenas para as nossas filhas, mas para as crianças em todo o país". Mais uma indireta ao comportamento de Donald, mesmo sem ter que referir o nome do adversário dos democratas nesta eleição.
Numa atitude pacificadora e de união, Michelle elogiou a atitude de Hillary após ter perdido a renhida disputa de 2008 para Barack, deixando esse exemplo como inspiração para o que deve acontecer nos democratas desta vez: «Hillary sabe que há interesses comuns bem superiores à vontade e à ambição política pessoal».
 
Depois de horas de tumulto e revolta, nada melhor para uma junção de vontades e corações no campo democrata, entre os seguidores de Hillary e os apoiantes de Sanders, do que o discurso sábio, ponderado e certeiro de Michelle Robinson Obama.

Houve quem suspirasse por uma futura carreira política da ainda Primeira Dama, depois desta demonstração de classe no palco de Filadélfia. Mas Michelle, por várias vezes, já explicou que não quer mesmo que esse seja o seu destino.

Oito anos na Casa Branca já lhe chegaram. E os EUA, como ela muito bem diz, continuam a ser um país de futuro.

Aconteça o que acontecer.

Histórias da Casa Branca: Ted estragou a Donald o seu circo de horrores


TEXTO PUBLICADO NO SITE TVI24.IOL.PT, A 22 DE JULHO DE 2016:


"Pus baton num porco. Arrependo-me profundamente disso"TONY SCHWARTZ, autor do livro «The Art of The Deal», sobre o sucesso empresarial de Donald Trump.

Somos melhores do que isto", HILLARY CLINTON, presumível nomeada presidencial democrata, reagindo ao discurso de aceitação de Donald Trump.

Aqueles que me estiverem a ouvir, por favor, não fiquem em casa em novembro. Se amam o vosso país e amam os vossos filhos tanto como sei que amam, ajam e falem, e votem em consciência em candidatos em que confiem para defender a Liberdade e a fé na nossa Constituição", TED CRUZ, senador do Texas, segundo classificado nas primárias republicanas, na Convenção de Cleveland, em discurso em que se recusou a apoiar Trump, terminando sob forte pateada da assistência fiel a Donald


Não foi propriamente uma «Convenção Republicana», aquilo a que se assistiu nos últimos quatro dias em Cleveland, Ohio, em pleno estado do Midwest, um dos quatro ou cinco mais influentes para a eleição geral (a par da Florida e um pouco mais importante ainda do que a Pensilvânia, a Virgínia ou o Wisconsin).

Foi mais a coroação em forma de espetáculo – ou não fosse o nomeado um produto da exposição televisiva de programas do estilo «The Apprentice» -- de um candidato com um estilo demagógico, populista e baseado num carisma pessoal com traços ditatoriais, que em nada de inscreve na tradição do velho Partido Republicano.

A investidura de Donald Trump é um dos pontos mais baixos (provavelmente, o mais baixo até) da alta política americana.

Sinaliza um desconforto claro de uma boa parte do eleitorado em relação do sistema de poder e às regras, tantas vezes disfuncionais, que têm marcado o estilo de governação em Washington.

É uma vergonha para o Partido Republicano. Para a sua história e para a elite que o tem
dominado. Um falhanço rotundo para candidatos que tinham tudo para ser viáveis (muito dinheiro incluído…), como Jeb Bush ou Marco Rubio.

Mas é, também, um aviso sério a todo o sistema político americano – democratas incluídos.

A coragem de Ted Cruz



Ted Cruz, segundo classificado nas primárias, tinha uma espécie de «wild card»: se apresentasse, de surpresa, o seu apoio a Donald Trump nesta convenção, poderia ajudar os republicanos a uma união de última hora.

Mas não foi nada disso que aconteceu.

Num ato muito corajoso, Ted enfrentou um coro de assobios e deixou bem claro, no palco da Quicken Loans Arena, que não só não apoia Donald como apela aos americanos a que "votem em consciência".

Saiu pateado, a mulher precisou de escolta para abandonar o recinto – mas pode ter marcado pontos importante para ser o nomeado presidencial republicano em 2020, caso se confirme a derrota de Donald a 8 de novembro.

 

Oportunidade para Hillary

Confirmada que foi a nomeação presidencial de Donald Trump, pende, nos próximos 109 dias, uma responsabilidade tremenda sobre os ombros de Hillary Clinton: essa mesmo, a de evitar o inimaginável, uma Presidência Donald Trump.


A futura nomeada do Partido Democrata (será confirmada na próxima semana na Convenção de Filadélfia, na Pensilvânia, outro estado chave para a eleição geral) parece já ter obtido uma plataforma política com Bernie Sanders e ala esquerda do partido, mas a unidade do campo democrata pode não ser suficiente nesta eleição tão atípica.

O "circo de horrores" em que se transformou a Convenção de Cleveland pôs a nu a divisão insanável em que caiu a Direita americana.

E isso é, obviamente, uma oportunidade para a candidatura de Hillary, que poderá captar uma fatia de 10 a 15% de eleitores republicanos, atendendo ao que se passou na Convenção.

 

Questão de família

Trump fez da sua própria convenção um assunto de família.

O protagonismo maior foi para Melania, a terceira mulher, que logo ao primeiro dia lançou a polémica ao plagiar ex
certos do discurso de Michelle Obama na Convenção Democrata de 2008; a Ivanka, a filha de 34 anos, fruto da relação com Ivana, que apresentou o pai ao terceiro dia; do filho Donald Jr., de 38 anos, que se mostrou, na verdade, mais bem preparado e esclarecido do que o próprio pai-candidato.
Basta fazer um esforço de memória para concluir que houve uma tremenda ausência de figuras principais nesta convenção, comparando com conclaves anteriores dos republicanos.

Faltaram os Bush (George HW e George W, os dois únicos presidentes republicanos vivos), faltou Romney, faltou McCain (os dois últimos nomeados presidenciais republicanos), faltaram os Paul (Ron e Rand).

Vimos um Giuliani zangado e estranhamente agressivo, a capitalizar a carta do «efeito securitário» e a comparar abusivamente Trump e Reagan; um Scott Walker a tentar aproveitar a falta de primeiras linhas para tomar o palco (ele que desistiu precocemente das primárias, quase em forma de protesto pela atenção excessiva que já era dada a Trump…); um Chris Christie a tentar minimizar danos, assumindo-se como o «cão de ataque» contra Hillary Clinton, quase a exigir a prisão da futura nomeada democrata.

Perdeu-se o centro, perdeu-se o discernimento, desapareceu a moderação do discurso político republicano, a avaliar pelo tom e pelo registo (quase sempre ressentido, às vezes violento até) que se viveu na Convenção de Cleveland.

Prevaleceu uma via populista, simplista, com generalizações perigosas, que associou perversamente o crime aos refugiados e à imigração, sem qualquer respeito pela verdade ou preocupação com o rigor estatístico (Trump prometeu «aumentar a segurança nos lares e nas ruas da América», sendo que o crime contra pessoas e contra a propriedade tem descido, de forma sustentada e ininterrupta nos últimos anos; prometeu aumentar o dispositivo policial, sendo que os efectivos de segurança aumentaram 8% na era Obama…)

O lado «dark» da América


O discurso de aceitação de Donald Trump teve até um ‘canto de sereia’, com o aceno à comunidade LGBT – certamente para disfarçar o registo esse sim real de Donald contra as minorias sexuais e tentando, talvez, insinuar que perante a «ameaça islâmica», o Presidente Trump defenderia essas minorias da visão intolerante de alguns muçulmanos radicais contra os homossexuais.

Mas esse ponto pouco mais foi do que um «fait divers» no discurso de Trump.

Donald insistiu na tecla securitária, na crítica à «desonesta Hillary» e na ameaça do ISIS, que "Obama e Hillary foram incapazes de suster".

Prometeu mais segurança, travar os imigrantes ilegais, fechar fronteiras. Desenhou uma América protecionista, em claro contraponto com a visão de distensão, abertura e multilateralismo que marcaram os anos Obama/Hillary/Kerry, na Casa Branca e no Departamento de Estado.

Uma narrativa "dark", por vezes assustadora, que pintou uma América bem pior do que ela realmente é e que anunciou um quadro económico e social mais crítico do que, verdadeiramente, existe.

Em política, e sobretudo na ato por vezes mais emocional do que racional de votar, as perceções contam mais do que a realidade.

A estratégia do medo resultou nas primárias. Mas… será que vai dar hipóteses reais a Donald Trump de derrotar Hillary Clinton na eleição geral?
 


Histórias da Casa Branca: a boa aluna e o vendedor de ilusões


TEXTO PUBLICADO NO SITE TVI24.IOL.PT, A 25 DE JULHO DE 2016:

A boa aluna ou o vendedor de ilusões?

A primeira mulher ou o primeiro não-político a mandar na Casa Branca?

A candidata que está há quase quatro décadas a preparar-se para este momento, somando um currículo impressionante e quase imbatível, ou o multimilionário que nunca foi a votos mas se gaba de ter torres e aviões com o seu nome?

Dificilmente se poderia imaginar duelo tão improvável para se definir a sucessão de Barack Obama na Casa Branca -- e seria quase impossível encontrar dois rivais tão diferentes na história pessoal, nas características de liderança e no comportamento público.

Hillary Diane Rodham Clinton ou Donald John Trump, um dos dois será o 45.º Presidente dos Estados Unidos da América.

Hillary é aplicada, rigorosa, profunda e trabalhadora.

Foi sempre das melhores alunas da turma no brilhante percurso escolar e académico que
teve.

Como senadora, dominava de forma notável os dossiês. Enquanto secretária de Estado, bateu todos os recordes de países visitados e horas de avião somadas por um «US Official» em serviço. E aproveitou ao limite as oportunidades políticas que lhe apareceram para criar uma carreira pessoal, por ter casado com Bill Clinton, o 42.º Presidente dos EUA.

Donald é sanguíneo, demagógico, autoritário e populista.

Gaba-se de ser politicamente incorreto e não tem qualquer preocupação com a verdade. Muda de opinião sobre pessoas, temas e atitudes – e consegue sobreviver incrivelmente com isso. Utiliza à exaustão o argumento de que se foi capaz de gerar fortuna pessoal pelo sucesso que tem tido nos negócios, poderá conseguir fazer o mesmo com os EUA, uma vez na Casa Branca.

Os trunfos de Hillary são os pecados de Donald. Mas no que Hillary tem falhado (falta de carisma e capacidade mobilizadora), Trump está a mostrar-se assustadoramente eficaz.

Origem, estilo e princípios: um mundo de diferenças

Nascida em Chicago, a 26 de outubro de 1947, Hillary Clinton, que será investida como nomeada presidencial democrata na Convenção que hoje começa em Filadélfia, é formada em Ciência Política, em Wellesley, e em Direito, em Yale.

«Não nasci primeira-dama nem senadora. Não nasci democrata. Não nasci advogada nem defensora dos direitos das mulheres e dos direitos humanos. Não nasci esposa nem mãe. Nasci americana no meio do século XX, num tempo e num local afortunados. Fui livre de fazer as minhas escolhas, que não estavam à disposição das gerações anteriores de mulheres no meu próprio país e são inconcebíveis para muitas mulheres do mundo de hoje. Cresci na crista de uma tumultuosa mudança social e participei nas batalhas políticas que se travavam sobre o significado da América e o seu papel no mundo. O meu pai nasceu em Scranton, Pensilvânia, filho do meio de Hugh Rodham Sr. e de Hannah Jones. Do lado da mãe, vinha de uma linha de mineiros galeses do carvão, de cabelo preto. Tal como Hannah, era manhoso e, por vezes, rude, mas quando se ria o sonho vinha lá do fundo e parecia envolver todas as partes do corpo. Herdei o riso dele, a mesma grande gargalhada enrolada que pode fazer virar cabeças num restaurante e afugentar os gatos de uma sala. Fui educada para amar o meu Deus e o meu país, para ajudar os outros, para
para proteger e defender os ideais democráticos que inspiraram e guiaram pessoas livres durante mais de 200 anos. Esses ideais foram incutidos em mim desde que tenho memória. Em 1959, queria ser professora ou física nuclear. Os professores eram necessários para “formar jovens cidadãos” e sem eles não teríamos um “grande país”. A América precisava de cientistas porque os ”Russos têm cerca de cinco cientistas para cada um dos nossos”. Mesmo nessa altura, eu era totalmente um produto do meu país e dos seus tempos, absorvendo as lições da minha família e as necessidades da América enquanto pensava no meu próprio futuro», escreve Hillary em «A Minha História», livro autobiográfico.

Natural de Nova Iorque, filho do empresário Fred Trump e de Mary Anne MacLeod, Donald Trump, nomeado como candidato presidencial republicana na Convenção de Cleveland da semana passada, tem ascendência alemã, por parte dos avós paternos, e escocesa (a mãe nasceu na Escócia em 1912).
Casado pela terceira vez, a primeira mulher, Ivana, é checa, e a terceira e atual, Melania, é eslovena.

Tantas influências estrangeiras na vida pessoal de Donald não deixam de ser irónicas para o agora candidato republicano que promete «fechar fronteiras», «retirar os EUA da Organização Mundial do Comércio» e «impedir a entrada de refugiados e imigrantes ilegais».

Já foram amigos e são quase da mesma idade

Têm quase a mesma idade (Hillary completa 69 anos a 28 de outubro, Donald completou 70 no passado dia 14 de junho).

E, sim, até já foram amigos (ou, pelo menos, aliados de conveniência).

Donald, hoje o campeão da crítica «aos políticos da elite de Washington», financiou durante vários anos os Clinton, para obter vantagens assumidas nos negócios.

É já célebre a fotografia que junta Donald e Melania com Bill e Hillary, no dia casamento dos Trump, a 22 de janeiro de 2005, em Palm Beach, Florida.

A junção, na altura, não causava grande estranheza: Bill era um ex-presidente que sempre contou com o financiamento de Donald Trump, Hillary era senadora por Nova Iorque, o estado onde Donald sempre manteve mais negócios, e na altura já se falava numa possível candidatura presidencial da ex-Primeira Dama.

Em 2007, numa altura em que se perspetivava um duelo «nova-iorquino» nas presidenciais de 2008 entre Hillary Clinton e Rudy Giuliani (antecipação precipitada, claro, porque meses o duelo seria entre Barack Obama e John McCain), Donald Trump até dizia preferir Hillary a Rudy, em entrevistas televisivas que deu.

O tanto que mudou no cenário político americano desde aí chega a ser difícil de perceber na sua total dimensão.

Mas há que puxar o filme um pouco atrás para se compreender como é que Hillary e Donald são, hoje, os rivais improváveis que prometem protagonizar uma das campanhas mais feias e violentas das últimas décadas na política americana.

Uma história difícil de compreender

Os anos Obama levaram a um extremar de posições da Direita americana.

O Partido Republicano, em crise de identidade há uma década (desde o final a pique do segundo mandato presidencial de George W. Bush), começou a ganhar aversão a políticos do «establishment» e mais focados no centro político, e passou a estar cada vez mais vulnerável a aventuras populistas.


O Tea Party, movimento que reivindica o «regresso» do poder ao povo americano, numa crítica acérrima às práticas de Washington, baseando as suas posições numa leitura literal, quase bíblica, da Constituição americana, fletiu a agulha ideológica do Partido Republicano para um extremo, fazendo secar o centro e a moderação.

Se, em 2012, Mitt Romney, o único candidato do «establishment», ainda conseguiu obter a nomeação (embora sem conseguir gerar grande entusiasmo das bases republicanas e depois de umas primárias em que se viu forçado a dizer coisas muito mais radicais do que eram as sua ideias), em 2016 o panorama resvalou para uma situação quase surreal.

Donald Trump, multimilionário com um império na área dos media e do imobiliário, dono da Trump Organization e da Trump Entertainment Resorts, simboliza, para muitos, o sonho americano levado ao paroxismo.

A sua fortuna colossal não lhe garantiu um percurso imaculado nos negócios: já declarou quatro vezes bancarrota desde o início dos anos 90, mas sempre com um plano para regressar ainda mais em grande. América no seu estado mais cru, no melhor e no pior.

Figura do «mainstream» mediático há várias décadas na América, foi, no entanto, sempre associado ao mundo empresarial e, mais recentemente, também do espectáculo televisivo.

Truculento, agressivo, exibicionista, Donald Trump gaba-se de ter uma personalidade dominadora e arrogante.

Dois modos de chegar à nomeação

Durante anos, a ideia de concorrer à presidência era encarada quase como uma piada.

Inconsequente, Donald foi democrata nos anos 90, independente no início do século XXI (até tentou candidatura presidencial pelo Partido Reformista, em 2000) e aproximou-se dos republicanos, na última década.

Em 2012, ainda ensaiou um avanço nas primárias republicanas, surfando a onda dos «birthers» (um conjunto de almas perturbadas que garantiam que Barack Obama não podia ser presidente dos EUA porque teria nascido… no Quénia).

Depois de mais de um ano a aguentar um punhado de aleivosias lançadas em público, Obama entendeu que já chegava e mandou libertar o certificado de nascimento do Hospital de Honolulu, no Hawai, onde obviamente nasceu a 4 de agosto de 1961.

Sem conseguir grande «buzz» nos media ou nas sondagens, Trump acabou por nem aparecer nos primeiros estados das primárias republicanas de 2012.

Apenas quatro anos depois, o mesmo Trump arrasou toda a concorrência e ganhou claramente a nomeação republicana.

Bem diferente foi a via de Hillary até à nomeação democrata de 2016.

Republicana até aos primeiros anos da idade adulta, influenciada pelo pai e por ter conhecido o Presidente Nixon na Casa Branca num prémio que venceu por ser das melhores alunas do país, Hillary chegou a ser líder dos jovens republicanos de Wellesley e trabalhou para a campanha de Barry Goldwater, candidato presidencial republicano de 1964, que viria a perder para Lyndon Johnson.

Mas o movimento dos Direitos Cívicos, muito mais ligado aos democratas, e o ano conturbado de 1968 (assassinatos de Martin Luther King e de Robert Kennedy, presença americana na Guerra do Vietname), foram decisivos para a viragem ideológica de Hillary.

Democrata a partir daí, foi solidificando posição ligadas aos direitos das crianças e das mulheres. O casamento com Bill Clinton tornou-a não só uma advogada democrata de dimensão regional como uma eventual estrela política no plano nacional.

Como mulher do mais jovem governador de estado da América, como responsável pela reforma da saúde nos anos 90 durante a Administração Bill Clinton, como senadora por Nova Iorque ou como secretária de Estado, Hillary Clinton é, há 40 anos, uma política com credenciais alargadas e constantemente postas à prova.

Se as eleições de 8 de novembro fossem um teste ao currículo e ao conhecimento político e técnico dos candidatos, Hillary já teria ganho.

Mas a escolha de um Presidente dos EUA tem muito mais de emocional do que racional.

E só daqui a 106 DIAS é que ficaremos a saber quem vai mesmo suceder a Barack Hussein Obama no cargo político mais poderoso do mundo. Ainda.
 

Histórias da Casa Branca: o momento de Hillary Clinton


TEXTO PUBLICADO NO SITE TVI24.IOL.PT, A 24 DE JULHO DE 2016:
 

Hillary Rodham Clinton, que completa 69 anos a 28 de outubro (quando faltarem apenas 11 dias para a eleição geral), será investida, na semana que hoje começa, candidata presidencial do Partido Democrata, na Convenção de Filadélfia.

Será, finalmente, a nomeação oficial de uma mulher que esteve pertíssimo de obter tal distinção dos democratas em 2008, mas perdeu por muito pouco para o grande fenómeno político surgido nesse ano que já nos parece um pouco longínquo: Barack Obama, o atual Presidente dos EUA, agora em reta final do segundo mandato na Casa Branca.

A política americana não é pródiga em planos de longo prazo. O seu elevado grau de imprevisibilidade geralmente impede esse tipo de horizontes alargados.

Mas o que assistiremos nos próximos dias, com a nomeação da primeira mulher a ser escolhida por um grande partido do sistema para candidata a presidente (até hoje só duas entraram em «tickets», mas como candidatas a vice-presidentes, a democrata Geraldine Ferraro em 1984 e a republicana Sarah Palin em 2008),  consolidará um caso notável de um plano gizado a uma distância de oito anos, ao mais alto nível, entre o atual Presidente dos EUA e a futura nomeada presidencial democrata para 2016.

Um acordo cumprido à risca

Depois de uma luta acesa e muito disputada, durante um ano e meio -- entre Barack e Hillary -- Obama obteve mesmo a nomeação em 2008, fruto de uma campanha muito eficaz na recolha de delegados, apesar de Hillary até ter tido mais votos (ambos próximos dos 18 milhões, com diferença pequena, favorável a Clinton).

Custa muito conceder a derrota numa situação destas, e após uma caminhada tão longa e pontuada de conquistas históricas, mas Hillary Clinton conseguiu manter o discernimento.

E soube ver a longo prazo, algo que, na sua vida de quase sete décadas (e mais de 30 anos de participação pública, como advogada, activista na defesa dos direitos das mulheres e das crianças, como mulher de governador, Primeira Dama, responsável pela reforma da saúde nos anos 90 durante a Administração Bill Clinton, senadora por Nova Iorque ou como secretária de Estado) fez por várias vezes.

Hillary percebeu que só teria a perder se prolongasse a «guerra» com Obama e teria tudo a ganhar se se juntasse ao futuro nomeado democrata de 2008.

Teve atitude exemplar na forma como ajudou Barack a derrotar McCain e festejou entusiasticamente a eleição histórica, a 4 de novembro de 2008, do primeiro negro para a Presidência dos EUA.

Num «armistício» assinado com requinte, Obama convidou Hillary para chefe da diplomacia americana e terá aceite a condição da sua ex-rival e a partir daqui aliada: só faria um mandato, ficaria liberta a partir do início de 2013 para preparar a sua segunda candidatura nas primárias democratas, desta vez com um estatuto de «nomeada antecipada».

Para completar o círculo deste notável acordo Obama/Clinton, o Presidente daria apoio claro a Hillary para 2016.

Numa realidade com tantas surpresas como a política americana (quem imaginaria Trump nomeado pelos republicanos?), todos os pontos deste acordo iniciado algures pelo verão de 2008 estão a ser notavelmente cumpridos.

E a verdade é que o apoio de Obama a Hillary terá tido, até, maiores efeitos políticos do que ambos antecipariam há uns anos.

O efeito Bernie

Porque o «cisne negro» desta caminhada, aparentemente fácil, de Hillary para a nomeação em 2016 foi um senador septuagenário, que até há pouco tempo nem sequer era democrata (dizia-se socialista, embora votasse geralmente com a bancada democrata no Capitólio, com estatuto de independente).

Bernie Sanders prestou um serviço a Hillary e ao Partido Democrata: se Clinton tivesse estado sozinha ou sem um adversário forte durante quase dois anos, estaria hoje politicamente desgastada e correria o risco de ver vertida para o campo republicano (e de Trump…) a fação de descontentamento que, claramente, se manifestou nesta eleição.

Com Sanders, os insatisfeitos com o «establishment» à esquerda permaneceram no campo democrata e deram a Bernie uma votação absolutamente histórica: perto de 13 milhões de votos nas primárias democratas (quase tantos como os que teve Trump, nomeado por larga distância no lado republicano, e só menos 3.5 milhões que os que teve Hillary).

O senador do Vermont demorou algumas semanas a aceitar o óbvio – Hillary iria mesmo ser a nomeada – mas uma visita à Casa Branca terá sido crucial: depois de uma conversa com o Presidente, Sanders foi persuadido por Obama no sentido de vir a apoiar Hillary, para que, de forma alguma, pudesse vir, daqui a uns meses, a ser acusado de ter sido cúmplice de uma eventual eleição de Donald Trump.

Hillary chega, assim, à Convenção de Filadélfia com o partido unido: algo que Trump nem por sombras poderá anunciar.

Enquanto, do lado republicano, Donald, ao seu estilo, achou «lindo» que os seus apoiantes tenham pateado Ted Cruz («apenas» o segundo classificado nas primárias do GOP), no campo democrata, e depois de uma disputa bem acesa e por vezes azeda, Sanders diz agora que «Hillary Clinton é a melhor candidata possível e tem tudo para conseguir bater Donald Trump»).

Tim Kaine para consolidar o centro

Feito um acordo político com Bernie Sanders (que deverá ser refletido através de propostas progressistas na plataforma a apresentar na Convenção de Filadélfia), Hillary Clinton foi… Hillary Clinton na forma como escolheu o seu candidato a vice-presidente.

Deixando para trás a hipótese Elizabeth Warren (talvez a pessoa mais bem preparada do campo democrata e campeã da ala progressista, mas com o problema de, sendo mulher, fazer com Hillary um eventual ‘ticket’ cem por cento feminino, algo que o eleitorado americano ainda não aceitaria), Hillary optou por Tim Kaine, antigo governador da Virgínia e atual senador em representação daquele importante estado para a eleição geral.

Com 58 anos, Tim situa-se na faixa central do Partido Democrata. Tido como um moderado, pode ajudar Hillary a seduzir eleitores republicanos e independentes, que se recusem a votar em Trump.
Fluente em espanhol (já viveu nas Honduras), reforça o pendor «hispânico» e «latino» do ticket democrata. Antigo líder do Comité Nacional do Partido Democrata, faz a ligação aos governadores e também aos congressistas (faz parte do Senado).

Não exala carisma, é relativamente discreto, mas não desperta antipatias e tem fama de ser um político ‘soft’ («Vanilla nice», chamou-lhe Annie Karni, no Politico). E mantém uma aura de invencibilidade que até a Hillary impressiona: «Tim nunca perdeu uma eleição e não vai ser desta que isso vai acontecer», lança a candidata.

Sendo eleitoralmente forte na Virgínia, Tim pode ajudar Hillary a manter para o lado democrata um estado que esteve 44 anos fora do alcance dos nomeados presidenciais do partido, mantendo-se republicano desde Lyndon Johnson até Obama, que venceu na Virgínia em 2008 e 2012.

As sondagens apontam Hillary com muito boas hipóteses de bater Trump na Virgínia, algo que deve ser reforçado após a nomeação de Kaine para candidato a vice. E há ainda o efeito de vizinhança: Tim é bem visto na Carolina do Norte, estado que Obama venceu em 2008, mas perdeu para Romney em 2012.

Hillary espera competir com Trump na Carolina do Norte – e caso vença neste estado e também na Virgínia, dificilmente perderá a oportunidade de se tornar na primeira mulher a chegar à Casa Branca.

E Tim, por arrasto, ficará como seu número 2.
 

Histórias da Casa Branca: o abismo americano e a tentação do passo em frente


TEXTO PUBLICADO NO SITE TVI24.IOL.PT. A 23 DE JULHO DE 2016:

O discurso de aceitação da nomeação presidencial de Donald Trump mostrou um candidato a apelar a uma visão sombria e erradamente catastrófica do estado da América e das suas relações com o resto do mundo.

O «reality check» prova que os EUA estão muito melhores do que o agora nomeado presidencial republicano quer fazer crer: o desemprego está a menos de metade pico da crise em 2010 (4.9%), os Estados Unidos estão hoje muito mais independentes em termos energéticos do que estavam há uma década (e isso é mérito das duas Administrações Obama); o petróleo árabe, iraniano ou venezuelano conta, por isso, muito menos, na balança comercial norte-americana; até os preços das casas, que caíram a pique com a crise do subprime em 2009 e demoraram anos a recuperar, dão mostras de alguma subida.

Nem tudo está perfeito na economia americana, mas a criação contínua de emprego em toda a era Obama e aposta em novas tecnologias dão conta de que os EUA, mesmo após a crise, continuam a ser um país de referência nos mais diversos setores da produção, da inovação, da investigação e do desenvolvimento.

No plano externo, e apesar das inquietações crescentes ao nível das novas formas de terrorismo a que temos assistido nos últimos meses, a verdade é que os EUA continua a ser um ator fundamental: já não conseguem decidir tudo sozinhos, mas nenhuma grande questão mundial é deslindada sem a intervenção americana – seja a contenção nuclear (acordo com o Irão e novo tratado START com a Rússia), as alterações climáticas, a aproximação a Cuba ou o processo de paz no Médio Oriente (Israel e Autoridade Palestina continuam a ver os EUA como único mediador fiável e determinante, independentemente de estarmos em fase política de maior ou menor tensão).

Nas relações comerciais, os grandes acordos internacionais (os tais que Trump promete rasgar para
para… «fazer outros melhores») têm tido nos EUA de Obama o seu pivot fundamental: foi assim com o TPP (Acordo Transpacífico), está a ser com o TTIP (mega acordo com a Europa, cujas negociações têm sido promovidas pelo Presidente Obama desde o início de 2014 e que terão agora, com o inesperado «Brexit», o seu momento definidor, tendo em conta que o principal parceiro dos EUA na UE se prepara para sair do barco europeu).

Mesmo a ameaça económica chinesa, fantasma tantas vezes acenado pelo candidato Trump, tem
que ser vista em perspetiva.

Os anos Obama foram marcados bem mais por uma aproximação do pelo afastamento com Pequim.

A ascensão económica da China, comportando riscos, tem também grandes oportunidades que, de forma demagógica, Trump camufla.

Por outro lado, essa ascensão, sendo espetacular em termos absolutos na última década, tem vindo a decrescer um pouco em percentagem nos últimos anos, o que pode sinalizar algumas fragilidades no modelo de crescimento chinês.

E a verdade é que, nos últimos três ou quatro anos, a recuperação económica encetada pelos EUA de Obama levaram a que as empresas americanas fossem consideradas, pela primeira vez na última década, mais atrativas para o investimento estrangeiro do que as empresas chinesas.

As perceções contam mais que a realidade

Ou seja: uma análise fria e desapaixonada das grandes tendências mostra-nos que, embora com algumas bolsas de preocupação, os EUA continuam a ser maior potência mundial em todos os grandes domínios: militares, económicos, tecnológicos, sociais.

O ponto fraco da herança Obama neste plano macro será o modo incompleto como as guerras em que os americanos estavam metidos no início da presidência foi conduzido (saída por concluir do Afeganistão e do Iraque) e, sobretudo, a forma como o poder americano se revelou incapaz de prever o crescimento da ameaça do ISIS e de o eliminar (promessa que, na verdade, o Presidente Obama já fez em setembro de 2014).

Trump está a ser um ás no modo como passa a mensagem de que, com Obama (e Hillary) «os Estados Unidos ficaram mais fracos e perdem em todo o lado», uma simplificação grosseira do que realmente tem acontecido no terreno (no Iraque e na Síria, o Daesh tem perdido, mês após mês, posições, dinheiro e território, em boa parte pelos bombardeamentos da coligação liderada pela Administração Obama).

O jogo das perceções, que neste capítulo é bem mais poderoso do que a análise da realidade concreta, aponta para que Obama, o presidente da contenção e do retraimento americano, seja «fraco» para o universo trumpiano, que admira bem mais um estilo Putin de lidar com os problemas do mundo.


«Dark America» e o pesadelo americano

A «dark America» com que Trump nos quis assustar nos últimos dias em Cleveland (a manchete de sexta do Huffington Post sentenciava um pesadelo nacional: ‘American Nightmare’) revela um candidato que, demagogicamente, manipula factos e números, jogando, de forma habilidosa, com um instrumento eleitoral extremamente poderoso: o medo.
Será melhor ignorar e desvalorizar? Claro que não.
Isso seria repetir erros políticos dramáticos que foram cometidos, na época de primárias, por candidatos como Jeb Bush, Marco Rubio ou Ted Cruz.
Não é exagero e convém não poupar na adjetivação do que sucedeu, nos últimos meses, num dos dois partidos chave do sistema político americano: Donald Trump raptou o Partido Republicano. Tomou-o de assalto, abafando outras tendências e correntes de pensamento politico que se pensava serem muito mais sólidas do que na verdade são.
Lançou o medo, a raiva, o ressentimento e o ódio como sentimentos dominantes num partido que chegou a ser uma referência no respeito pela diferença e na afirmação de valores fundacionais da América.
«É o Partido de Donald Trump, agora», sentencia Shirish Dáte, no Huffington Post.
Jonathan Cohn, também no Huff Post, foi mais longe: «Foi um discurso assustador e perturbador. Tenham medo. Tenham muito medo».
Jason Linkins, editor do «Eat the Press», apontou: «Se há alguém que está, neste momento, a unir o Partido Republicano é Hillary Clinton, não Trump.
Reações notadas na convenção, como o movimento «Stop Trump», as «Mulheres Republicanas por Hillary» ou o discurso corajoso de Ted Cruz dão nota do caráter quase bizarro com que a investidura de Donald se revestiu.

Cuidado: estamos em 2016

Mas 2016 está a ser, a todos os títulos, um ano atípico e imprevisível na política internacional.
E isso chegou de forma mais relevante do que muitos achariam (o autor destas linhas incluído) ao modo como o processo de sucessão de Barack Obama está a acontecer.

A desunião do campo republicano levaria, supostamente, a uma fragilização clara de Donald Trump para o ataque à eleição geral.

Com cerca de um quarto ou um terço do partido a pôr-se de fora, Trump correria o risco de perder apoios fundamentais para desenhar uma rota eleitoral de triunfo sobre Hillary Clinton – para mais quando, do lado democrata, a paz interna entre as diferentes correntes parece estar assegurada, com o acordo Hillary/Bernie a garantir a ala esquerda e a escolha de Tim Kaine para «vice» a satisfazer os setores mais centristas e mais ligados ao poder institucional (Tim foi governador, foi líder do Comité Nacional do partido e é atualmente senador, a câmara alta do Congresso).

Uma tendência que deverá ter confirmação na Convenção Democrata de Filadélfia, a arrancar esta segunda, numa oportunidade clara que Hillary Clinton tem de mostrar que é uma candidata muito mais sustentada e consistente do que o seu opositor para novembro.

Mas as grelhas de análise e de antecipação, em 2016, têm mesmo que ser postas em causa.

A forma como Trump chegou à nomeação republicana foi uma espécie de «quanto pior melhor».

Romney, seu antecessor no estatuto de nomeado, não o apoia e diz que Trump não é digno e não tem dimensão para ser candidato, pelas coisas que diz e pelo comportamento que revela? Donald não quer saber e, na verdade, Romney «até foi um candidato falhado que perdeu por muitos para o Presidente Obama em 2012, certo?»

Perante esta lógica de pensamento, que supostamente não deveria colher em política mas que, na verdade, se revelou muito proveitosa eleitoralmente para Trump nas primárias republicanas, fica difícil antecipar cenários.

Resta esperar que a tal tentação que muitos americanos parecem revelar de… dar o passo em frente na iminência do abismo que seria a eleição presidencial de Donald Trump não seja dominante a 8 de novembro.

Hillary Clinton, muito mais bem preparada nos temas cruciais e com uma experiência política acima de qualquer suspeita, terá nos próximos dias a sua grande prova de fogo: encontrará, na convenção que a vai nomear, a narrativa ideal para atacar da melhor forma a eleição geral?

Faltam 108 DIAS para as eleições presidenciais nos EUA.



Histórias da Casa Branca: o velho Partido Republicano morreu


TEXTO PUBLICADO NO SITE TVI24.IOL.PT, A 20 DE JULHO DE 2016:

O Partido Republicano, pelo menos da forma como o conhecíamos, morreu.

Dito assim, parece excessivo e despropositado.

Afinal de contas, os republicanos dominam, neste momento, as duas câmaras do Congresso (têm maioria na House desde 2010 e passaram também a controlar o Senado em 2014), têm a maioria dos governos de estados e mantêm algumas hipóteses de sonhar com a Casa Branca, já no próximo mês de novembro.

Mas quem assista ao espetáculo degradante que tem sido a coroação de Donald Trump como nomeado presidencial na Convenção de Cleveland, Ohio, percebe a dimensão simbólica da frase com que este texto começa.

Quem ainda valoriza uma certa ideia tradicional do que era o «Grand Old Party», partido de Lincoln e Reagan, por certo se indigna com o que se tem passado, por estes dias, no palco da Quicken Loan Arena.

É difícil antever o que virá a seguir a Trump - mas por muito que a discussão interna seja redentora, torna-se complicado antecipar um cenário animador.

Sem primeiras linhas a apoiá-lo (Bush pai, Bush filho, Mitt Romney, John McCain, Jeb Bush, ninguém se prestou ao papel de aparecer ao lado do excêntrico multimilionário; mesmo Paul Ryan só está lá porque é o anfitrião do partido, mas está a fazê-lo com traços de quem está contrariado), Donald Trump tem-se divertido a fazer o que gosta mais: ficar com o palco todo, tornando a Convenção Republicana -- momento que devia ser de união e exaltação de todo um partido com correntes diversas, em torno do máximo denominador comum – numa cena deprimente em estilo ‘ditador soft’, versão populista e egocêntrica que em nada se inscreve na tradição diversa dos grandes partidos na América.

E isso já está a refletir-se na (fraca) qualidade política dos discursos desta convenção.

Melania, candidata a Primeira Dama, protagonizou a primeira «bronca» do certame do Ohio.

Num sinal de puro amadorismo da equipa que apoia os Trump (certamente sem o aval do «staff» mais profissionalizado do partido), a mulher de Donald leu, no arranque da Convenção, um discurso que continha excertos que plagiavam, de forma descarada, a intervenção de
Michelle Obama na Convenção Democrata de 2008.

Erro incrível para um grau de exposição mediática desta dimensão.

Outra polémica teve a ver com a música escolhida por Donald para exaltar as suas entradas em palco: os Queen recusam-se a autorizar que o «We Are The Champions» seja associado a este momento degradante da alta política americana.

Estes sinais de total descolagem entre os Trump e «establishment» terão, obviamente, consequências terríveis para o «Grande Old Party».

O problema já começou na escolha do número dois.

Ninguém do «establishment» aceitaria entrar num «ticket» liderado por Trump e, assim, Donald terá que se contentar com um cinzento Mike Pence, demasiado colado à ala Tea Party (mas que, pelo menos, oferece algum interesse eleitoral, por ser governador do estado do Indiana).
 
Trump garante que não se importa com o «divórcio» com a elite republicana – afinal de contas, o seu sucesso nas primárias viveu da crítica a quase todos os elementos que a compõem.

A estratégia de Donald parece ser falar diretamente às bases, mostrando que ele, sim, soube interpretar o profundo descontentamento sentido, nos últimos anos, por boa parte do eleitorado americano em relação ao «business as usual» de Washington – não só na política, mas também no mundo empresarial.

A nomeação de Trump – já confirmada esta madrugada – é o triunfo de um «pós-Tea Party», de características autoritárias e populista, misto de carisma pessoal com aproveitamento da exposição mediática.

Mas é mais do que isso: é uma bofetada gigantesca no «establishment», uma espécie de grito coletivo de «you’re fired!» a políticos como Jeb Bush, Chris Christie ou Marco Rubio.

Aguarda-se com alguma expetativa o discurso de aceitação de Trump.

O tom conciliatório de Melania, e relativamente tradicional de Mike Pence, podem servir apenas de ‘canto de sereia’: não se prevê, de forma alguma, que Donald Trump tente contrariar a sua natureza.

2016, do lado republicano, será recordado como o ano da raiva e do ressentimento.

O ambiente pesado, super tenso, por vezes a roçar a violência, que tem dominado os comícios de Trump e até esta Convenção Republicana de Cleveland, dá conta do profundo mal-estar que se instalou nos espíritos e nas mentes da Direita americana.

O centro político está esvaziado (alguns nomes equacionam, secretamente, votar em Hillary, outros recusam-se, em público, a apoiar Trump).

A direita religiosa (que perdeu estas primárias a toda a linha, perante o fracasso de candidatos como Mike Huckabee, Rick Santorum ou Rick Perry) tentou até à última evitar Trump, colocando as fichas todas em Ted Cruz (um 'outsider' na própria bancada republicana no Senado).

Mas não deu para travar o desastre: Trump sentou-se no espaço evangélico (do qual era completamente alheio até há poucos meses) e assumiu todas as credenciais de um partido que, de modo algum, deveria ser o seu.

É muito mais do que uma divisão política: trata-se de um terramoto que fez fragmentar qualquer tese de união do velho conservadorismo americano.

Tem tudo para acabar mal.



segunda-feira, 18 de julho de 2016

Histórias da Casa Branca: Trump e os seus queridos inimigos


TEXTO PUBLICADO NO SITE TVI24.IOL.PT, A 18 DE JULHO DE 2016:
 

«As pessoas pensam que Trump é estúpido, mas ele não é nada estúpido. Pelo contrário. Há cinco anos ele ainda falava a linguagem típica da um investidor de Wall Street, com formação académica. Agora fala a linguagem de quem nem completou a educação básica. É assim que ele consegue que alguém num bar, ouvindo vagamente a televisão, exclame: “Olha, aquilo sou eu a falar"»

TIMOTHY GARTON ASH, historiador e professor em Oxford


Nesta estranha corrida presidencial norte-americana, a semana que hoje começa promete ser das mais desconcertantes.

Donald Trump, o mesmo que durante meses andou a insultar e injuriar os principais candidatos à nomeação republicana, vai mesmo ser confirmado como… candidato nomeado pelo Partido Republicano à presidência dos Estados Unidos.

Só na América? Talvez.

Mas num ano particularmente assustador nas tendências que tem mostrado na política internacional (Brexit a vencer no Reino Unido; Marine Le Pen a ameaçar liderar a corrida presidencial de 2017 em França; terrorismo islâmico a aumentar na sua ameaça em solo europeu; Turquia em golpe e contra-golpe de Erdogan ainda por explicar), todos os cenários devem ser equacionados.

A nomeação presidencial de Donald Trump abalou por completo os pilares do Partido Republicano.

O velho Grand Old Party, referencial de Lincoln, Teddy Roosevelt, Reagan ou Bush pai, foi durante décadas o farol de valores como a coesão, o respeito pela diferença e uma crença de que, nos EUA, há lugar para todos.

Os dislates que o Tea Party foi propagando nos últimos anos já estavam a alterar essa perceção.

Mas o sucesso de Donald Trump anunciou um «novo normal» preocupante para a Direita americana.

Os republicanos, em 2016, abdicaram de candidatos do sistema. Puseram para trás referenciais conservadores, anti-impostos e até religiosos.

Com Trump, prevaleceu uma via populista, autoritária, demagógica, que vai ao sabor do vento e em nada se preocupa com a coerência nas propostas e até nos discursos feitos no passado recente.

E isso terá efeitos tão significativos para a política americana, mesmo que Trump não ganhe a eleição geral em novembro, que ainda não se consegue avaliar bem a dimensão do fenómeno.

Trump é «muito à direita»?

Nalgumas coisas parece, na forma como fala, em tons desrespeitosos e depreciativos, das minorias – essas mesmo, que ao longo de décadas, fizeram da América um espaço de Liberdade, multiplicidade e diferença.

Mas noutras não será assim tanto: quem viu os (infindáveis) debates das primárias, ainda com dezena e meia de candidatos, percebeu que Donald era (talvez só a par do governador do Ohio, John Kasich) dos poucos que advogava a progressividade fiscal, contrastando assim com o «mantra» que vigorou nos republicanos, nos últimos anos, de serem contra qualquer subida de impostos.

A questão é que o que Donald disse há meio ano ou há nove meses já não interessa grande coisa.

Ele desdisse quase tudo o que chegou a lançar nas primárias – e também já recuperou algumas das ideias que havia retirado.

A coerência não faz parte dos trunfos da bizarra candidatura presidencial republicana de 2016.

Trump tem outras apostas: a crítica acérrima ao «establishment» e aos «políticos que têm falhado as obrigações de Washington».

A forma como o multimilionário justificou a escolha de Mike Pence, 57 anos, governador do Indiana, para seu vice-presidente diz tudo sobre esse foco: «Tenho de ser sincero, uma das razões mais importantes por que escolhi Mike foi a unidade do partido. Muita gente falou da unidade do partido. Eu sou um 'outsider' e quero ser um 'outsider', porque acho que foi uma das razões por que ganhei por larga margem».




É esta a grande contradição do processo de escolha do Partido Republicano para as presidenciais de 2016: o que fez Donald Trump ganhar é o mesmo que expõe os problemas do GOP.

Como resolver esta quadratura do círculo?

A Convenção de Cleveland, Ohio, que arranca esta segunda-feira e se prolonga até quinta, pode desvendar alguns destes mistérios.

Será possível vermos Trump a…dormir finalmente com os seus queridos inimigos?

Não se prevê fácil a vida de Donald nos próximos dias.

Mitt Romney, candidato presidencial republicano em 2012, continua a dizer que não vai apoiar Trump.

John McCain, escolhido em 2008, já foi muito crítico de Donald (sobretudo depois de Trump ter sido incrivelmente deselegante com ele, ao dizer que não gosta de «falhados» e quem sofre ferimentos numa guerra «é um falhado), acabou por admitir que apoiará Donald, mas apenas porque «seria disparatado não perceber qual foi a escolha popular» e porque «os sucessos de Trump e Sanders nas primárias dão conta de uma distância preocupante entre os eleitores e os congressistas e senadores e temos que perceber esses sinais».




Mas os únicos presidentes republicanos vivos, Bush pai (1989-1993) e Bush filho (2001-2009), seguem a via de Romney e também se recusam a votar em Trump.

Para já, pelo menos, só um antigo nomeado presidencial republicano declarou apoio público inequívoco a Trump: Bob Dole, que perdeu de forma clara, em 1996, para o então Presidente Bill Clinton.

É pouco. 

Muito pouco, mesmo, tendo em conta que Dole há muitos anos que deixou de contar verdadeiramente no grande palco da política americana.

Mas, lá está, há um efeito perverso nesta análise.

O sucesso de Donald nas primárias, como o próprio gosta de propagandear, foi ter-se descolado completamente das figuras habituais do Partido Republicano.

Valerá esta ideia na eleição geral? Correrá Trump o risco de perder parte do eleitorado republicano para Hillary?

Por enquanto, as sondagens dão uma distribuição relativamente clássica: cerca de quatro em cinco eleitores democratas vai votar em Hillary; perto de três em quatro republicanos acabarão por votar em Donald.

Há dois fatores que podem ajudar a definir a questão para novembro.

Se Bernie Sanders, que depois de semanas de hesitações, finalmente fez um claro «endorsment» a Hillary (com a candidata ao lado), conseguir disciplinar o seu desalinhado eleitorado para o campo de Clinton (evitando tentações anti-sistema que poderiam beneficiar Trump) e se Hillary conseguir segurar a «maioria Obama de 2012», feita de coligações de quatro segmentos nos quais Trump continua a ter muitas dificuldades em penetrar (jovens, mulheres, negros e hispânicos), então aí a tendência para 8 de novembro pode virar-se claramente a favor da futura nomeada democrata.

Esse fluxo, diga-se, ainda não se verificou por completo: Hillary mantém-se à frente nas sondagens nacionais, mas com um intervalo de 4 a 7 pontos – não completamente esclarecedor, portanto.

E na batalha por estados, há alguns sinais em territórios decisivos, como o Ohio, a Florida e a Pensilvânia, que apontam para um quase empate.


Faltam 113 DIAS para as eleições presidenciais nos EUA.