sábado, 19 de março de 2016

Histórias da Casa Branca: Hillary vs Trump ou ainda vale a pena imaginar um «golpe» republicano?


Donald Trump será o mais votado e o que mais delegados vai arrecadar na corrida republicana. Mas a vitória de Kasich no Ohio pode ter levantado a dúvida: será que Donald ainda atingirá os 1.237 exigidos para chegar à convenção já nomeado? O apoio de Romney a Ted Cruz foi mais um momento surreal da corrida republicana e indica uma réstia de resistência do «establishment» à «tragédia Trump». Mas talvez seja tarde demais



  
Marco Rubio foi digno na hora da derrota humilhante «em casa»: saiu de cena depois de perder a Florida para Trump e avisou os seus apoiantes: «somos uma República, respeitamos em absoluto a vontade popular. Seja ela qual for». Por ele, Trump será mesmo investido. Mas há quem não pense assim nas cúpulas republicanas. Ted Cruz e John Kasich podem ter apoios inesperados para manterem gás suficiente até à convenção de Cleveland


  
«Donald Trump is playing nice» -- depois de meses e meses com um discurso super agressivo, a explorar medos e ignorâncias, a perspetiva da nomeação está a moderar uma parte da retórica do multimilionário. Trump sabe que o grande risco, a partir de agora, é que o clima de tensão e quase violência em torno da sua candidatura gere uma perturbação que assuste o eleitorado que vai decidir. Unir o Partido Republicano parece missão impossível: a maior parte dos líderes do partido que deverá nomear Trump simplesmente o detesta



Hillary Clinton, no prática, já obteve a nomeação: já agarrou perto de 75% dos delegados que precisa para selar a vitória na Convenção de Filadélfia, entre delegados obtidos por votação e superdelegados. Mas Sanders quer capitalizar a jornada notável que tem percorrido, assumindo-se como voz incontornável do liberalismo americano e da visão «anti-sistema», versão democrata



A «mini Super Tuesday» do passado dia 15 confirmou duas coisas: Hillary Clinton será mesmo a nomeada do Partido Democrata e Donald Trump vai ser o candidato mais votado e com mais delegados do Partido Republicano.

O triunfo claro do multimilionário na Florida deitou ao tapete Marco Rubio – aquele que talvez tivesse sido o escolhido dos republicanos se este ciclo de primárias fosse «relativamente normal».

Só não escrevo, em relação a Trump, uma terceira conclusão que aponte para a sua nomeação, porque restam sinais, nas cúpulas republicanas, de alguma resistência a uma realidade que parece cada vez mais inevitável.

Marco Rubio foi digno na hora da humilhação: depois de perder por larga margem na Florida, estado que representa no Senado dos EUA, avisou os seus apoiantes de que, tendo em conta a forma como se escolhem presidentes na América, não resta outro caminho que não seja respeitar humildemente a vontade de quem vota e seguir a nomeação de Trump, caso ela se concretize.

Mitt Romney, nomeado presidencial republicano em 2012, não pensa assim: depois de assumir discurso arrasador contra Trump, anunciou que fará campanha por Ted Cruz nos próximos estados, para evitar que Donald chegue a Cleveland com os 1.237 delegados exigidos para agarrar a investidura.



Tarde demais para um golpe de teatro

Mas parece tarde demais para imaginar uma «brokered convention»: se Trump não chegar ao tal número mágico até junho, andará lá perto – e certamente muito acima de Cruz e Kasich.

Como advogar um candidato de última hora, que não tenha passado pelo crivo dos estados? Como defender que John Kasich, que até hoje só ganhou no estado que governa, tenha condições políticas para ser investido na convenção, ele que representa o centro republicano que, precisamente, está a ser triturado pelos eleitores do partido em quase todos os estados?




Para refrear ânimos, um porta-voz do Comité Nacional do Partido Republicano foi claro, em declaração recente: «Se Donald Trump for o nomeado da convenção, vamos respeitar  em absoluto essa escolha».

Ideias que apontam para uma candidatura «do establishment» à margem da nomeação de Trump parecem, pois, desabafos em voz alta que, a serem concretizados, ofereceriam de  bandeja a eleição de Hillary.


Rubio, um futuro brilhante... atrás dele?

Depois da derrota de Romney sobre Obama nas presidenciais de novembro de 2012, parecia haver uma corrente suficientemente forte no Partido Republicano que apontava para a necessidade de «abrir o partido» às minorias emergentes na América.

Dentro destes segmentos, os latinos adquiriam especial relevância. O partido passou a olhar, desde aí, com especial atenção para um jovem senador da Florida, conotado com o Tea Party mas não em demasia para poder assumir-se como candidato presidencial viável no plano nacional.

Com um discurso menos fundamentalista que Ted Cruz (a outra estrela hispânica dos republicanos), Marco Rubio parecia ter tudo para ser «the special guy» que iria recolocar os republicanos na rota da Casa Branca: menos rotulado com o «passado dinástico» dos Bush do que Jeb, mais credível do ponto de vista político e social para o eleitorado americano do que Ted Cruz ou Mike Huckabee.

Vários «think tank» conservadores e a generalidade dos comentadores e «pundits» foram colocando, desde 2012, Marco Rubio no pedestal dos pretendentes à nomeação presidencial republicana.

Só que a influência dos candidatos menos conotados com «establishment» não foi devidamente valorizada.

Ted Cruz, afinal, não só não é tão minoritário no seu discurso ultraconservador e fundamentalista evangélico como até se revelou eleitoralmente mais competitivo do que Marco Rubio.

A força do Tea Party, avassaladora nos primeiros anos de Administração Obama -- como reação da Direita americana aos intentos do Presidente de aumentar «o peso do Governo» e a «influência dos programas federais» -- gerou um desvio ideológico e até demográfico muito significativo nas características atuais do Partido Republicano.


A derrota do centro

O centro político quase desapareceu (que o digam nomes como Jeb Bush, Mitch Daniels, Jon Huntsman, George Pataki, Chris Christie ou até John McCain e Mitt Romney, os últimos dois nomeados presidenciais republicanos).

O desvio à direita foi brutal. De tal modo que até o fenómeno Tea Party está hoje, de algum modo, ultrapassado.

Candidatos como Mike Huckabee, Scott Walker ou Bobby Jindal foram triturados pela novidade que quase ninguém previu: Donald Trump.

O «frontrunner» republicano, multimilionário de sucesso nos negócios, é uma espécie de produto «pós Tea Party».

Menos ligado a grupos religiosos, tem sabido assumir os receios e exigências de muitos desses segmentos (o triunfo largo de Donald na Carolina do Sul assim o confirmou).

Ao contrário do que acontecia com Huckabee ou do que sucede com Cruz, Trump não coloca Deus como «mantra» essencial da sua retórica.

Fala da religião como um dado crucial para se perceber aquele país. Assume a liturgia do endeusamento da Constituição (base de toda a ação política do Tea Party nestes anos, numa interpretação literal que se desajusta a 2016).

Mas aposta mais forte em «feridas» como a ideia de que «a América ficou mais fraca com os anos Obama», garantindo que, com ele na Casa Branca, «os EUA serão grandes de novo». «Vou derrotar a China e vou exterminar o ISIS», promete, impante, nos seus comícios.

2016 está, por isso, a ser o ano do populismo, sobretudo do lado republicano.


Compreender Bernie

Mas não só: a jornada notável de Bernie Sanders, visto até há poucos anos como um «outsider» da grande política americana explica-se, em boa parte, por uma espécie de «populismo de esquerda», sem as diatribes irresponsáveis de Trump em relação aos imigrantes e às minorias, mas com uma retórica igualmente perigosa em relação ao «sistema financeiro» e «contra Wall Street».

Hillary Clinton será, certamente, a nomeada democrata.

A superfavorita já conseguiu perto de três quartos dos delegados que necessita para confirmar a nomeação, depois da boa resposta que deu a 15 de março: vitórias claras na Florida, no Ohio, no Illinois e na Carolina do Norte (e ainda uma vitória à tangente no Missouri).

Mas os 851 delegados já garantidos pelo septuagenário senador do Vermont (mais do que Donald Trump conseguiu do lado republicano, por exemplo) não podem ser menosprezados – sobretudo porque foram quase todos obtidos por votação (enquanto Hillary tem perto de 500 superdelegados a engrossar os 1606 que já obteve).

E parece certo que Sanders vai levar esta caminhada até à convenção: «O plano é convencer os superdelegados a mudar de ideias até lá», lança, provocador e determinado, o senador do Vermont.




A chave para que Hillary não se deixe surpreender por Trump na eleição geral (para já, as sondagens dão vantagens relativamente confortáveis à democrata sobre o republicanos, de 10 a 13 pontos de diferença) passa muito por Clinton conseguir, nos próximos meses, fixar do lado democrata o «voto de descontentamento» que Sanders está a conseguir verter nas urnas, em diferentes estados.

Se a eleição geral se transformar numa estranha (e perigosamente imprevisível) luta entre «sistema» e «anti sistema», então aí Hillary pode ficar numa posição extremamente sensível de corporizar «o business as usual dos políticos que estão lá há vários anos e deixam tudo na mesma», enquanto Donald se deliciaria a vestir a pele do «herói anti sistema que vai mudar isto tudo».


Sistema vs anti sistema?

Podem parece rótulos simplistas – mas o perigo existe, tendo em conta o clima maniqueísta que está instalado neste momento na política americana.

As «odds» parecem favoráveis a Hillary para novembro: minorias esmagadoramente do lado dela; boa parte dos republicanos assustados e quase envergonhados com o provável nomeado do seu próprio partido.

Mas convém analisar com especial atenção, nos próximos meses, os pontos de contato que, eventualmente, existirão, entre o perfil do eleitorado Sanders e do eleitorado Trump (na idade, no perfil social, na história de vida). 

Talvez tenhamos algumas surpresas desagradáveis.



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