sexta-feira, 28 de agosto de 2015

Histórias da Casa Branca: o que se passa com Hillary Clinton?



TEXTO PUBLICADO NO SITE TVI24.IOL.PT, A 27 DE AGOSTO DE 2015:


Há razões para começar a duvidar da nomeação precocemente anunciada de Hillary Clinton? Acho que não. 
  
Nas últimas semanas, tem-se apontado uma espécie de crise na campanha da super favorita à nomeação presidencial democrata para 2016. 
  
É verdade que Hillary tem descido de forma acentuada nas sondagens. Mas isso era mais ou menos inevitável, se nos lembrarmos que ela partiu de um «teto» que, esse sim, não era nada normal. 
  
As eleições presidenciais nos EUA não gostam de vencedores antecipados. 
  
E o avanço que Hillary chegou a ter no início desta corrida, quando as candidaturas ainda não estavam no terreno, parecia indicar uma coroação que não permitiria um debate vivo e emocionante do lado democrata. 
  
A ex-Primeira Dama chegou a ter mais de 70% nas sondagens nacionais e vantagens de 40 a 50 pontos nos estados de arranque. 

Ao contrário de Bernie Sanders, senador independente com notoriedade relativamente baixa a nível nacional, o caminho, para ela, tem sido de descida e não de subida. 

Mas quando se parte de 70%, talvez ainda não seja alarmante perder 20 ou 25 pontos percentuais nas sondagens – por muito que isso deva constituir motivo de preocupação para quem se ocupa da estratégia da mais do que provável primeira mulher a obter a nomeação presidencial de um grande partido nos EUA. 
  
TENDÊNCIAS CONTRADITÓRIAS 
  
O problema de Hillary, nesta fase da corrida, é só uma questão matemática, de alguém que começou no topo e está agora a gerir perdas mantendo grande avanço? Não. 
  
O caso é um pouco mais complexo. 

Se é certo que qualquer outro candidato presidencial (seja democrata ou republicano) pagava para estar na posição da ex-secretária de Estado de Obama (sim, ela continua a ser, de longe, a mais provável sucessora de Barack na Casa Branca, a partir de janeiro de 2017…), é indiscutível que a campanha Hillary passa por uma crise de confiança.
  
O crescimento da campanha de Bernie Sanders, que começou a ser mais pronunciado nas últimas semanas, foi o primeiro sinal de alarme.
  
Começou por ser encarado sem dramatismos. Mas perante sondagens que apontaram para a liderança de Bernie no New Hampshire, o campo de Hillary passou da desconfiança ao pânico, em poucos dias. 
  
Sanders está a agarrar as bandeiras liberais e Clinton não tem conseguido estancar a ferida à sua esquerda. 
  
E Joe Biden, identificando o clima de crise na dinâmica Hillary, lançou, ainda que não de forma assumida, o isco para uma candidatura que arriscaria partir a «herança Obama» em dois. 

JOE BIDEN, SIM OU NÃO? 

Já foi mais provável essa candidatura do vice-presidente. 
  
Joe dá sinais de hesitação, depois de alguns dias de «buzz» sobre possível avanço. No círculo político da Casa Branca, Joe ter-se-á posicionado, no início do processo, a favor da nomeação de Hillary e ainda não se terá decidido a mudar de ideias. 
  
A preferência dos apoiantes de Elizabeth Warren por Bernie Sanders também está a complicar a tese de que Biden seria a alternativa mais preparada num cenário de «apocalipse Hillary». 
  
Mesmo assim, circula um «memo» pelos congressistas democratas, com uma lista de trunfos de uma possível candidatura Biden (seria a terceira tentativa, depois das campanhas falhas de 1988 e 2008). 
  
Até há algumas semanas, a candidatura do vice-presidente não fazia sentido. 
  
O «eixo» Obama-Clinton, que dominou quase por completo o «establishment» do Partido Democrata nas últimas duas décadas (ainda que com as 'nuances' Al Gore e John Kerry, também eles fazendo parte desse arco de poder), estava a colocar todas as fichas na «coroação» de Hillary Clinton para 2016. 
  
Só que a subida de Bernie Sanders e a queda de Hillary nas sondagens começaram a pôr em causa a noção de «inevitabilidade». 
  
Joe, que em 2008 não teve hipóteses de se intrometer na disputa Hillary/Obama, vai dando sinais cada vez mais fortes de que quer mesmo avançar. Terá possibilidade de ficar com parte da herança Obama, ou será que ela já está completamente destinada à sua ex-colega de administração, no primeiro mandato?  

Alguns membros do «núcleo duro Obama» parecem estar a ponderar a hipótese Biden, mas quanto ao Presidente, e apesar de relação sólida com o seu número dois, o apoio à nomeação de Hillary é mais do que claro e já foi declarado em público mais do que uma vez 
  
Tudo ainda em aberto, mas já foi mais forte a tese de «Run, Joe, run»...Mas só o facto de se falar nela parece ameaçar a noção de «inevitabilidade Hillary». 
  
A PRÓXIMA FASE 
  
A atravessar a primeira (mas tal esperada) queda, Hillary ainda tem uma boa margem para definir que estratégia pretende para os próximos meses. 
  
O foco continuará a ser na classe média e nos direitos das minorias. Ela, que quer ser a «campeã da América que trabalha», sabe que na eleição geral terá na sua quase totalidade os apoiantes que para já estão mais entusiasmados com os comícios de Bernie Sanders.  

Mais do que tentar responder aos avanços dos seus adversários no Partido Democrata, Hillary deverá manter perspetiva de «mais do que provável nomeada», apontando já as baterias à eleição geral. E, nesse âmbito, a tese dominante nos estrategas da candidata continua a ser a de um duelo com Jeb Bush -- por muito que as sondagens insistam em catapultar a «loucura Trump»

E o primeiro sinal de recuperação de Hillary terá aparecido ontem, na sondagem da Universidade Suffolk para o «caucus» do Iowa: Hillary Clinton 54, Bernie Sanders 20, Joe Biden 11, Martin O'Malley 4, Jim Webb. 1. 
  
Hillary recupera, assim, avanço no Iowa e volta a ter 34 pontos de vantagem sobre Bernie Sanders e mais de 40 sobre Biden.  
  
Números destes para o primeiro estado a votos nas primárias não geram grande margem para dúvida: com mais ou menos recuos, é bastante provável que a Convenção Democrata do verão de 2016 venha a ter uma mulher investida com uma vantagem considerável.

quarta-feira, 19 de agosto de 2015

Histórias da Casa Branca: até onde vai chegar Bernie Sanders?



TEXTO PUBLICADO NO SITE TVI24.IOL.PT, A 19 DE AGOSTO DE 2015:


O espanto pela vantagem de Donald Trump no lado republicano é tão grande que jornalistas, analistas e interessados em geral pela corrida à sucessão de Obama têm estado, nas últimas semanas, numa espécie de choque generalizado, tentando perceber o que se passa na cabeça dos eleitores republicanos. 
  
Mas do lado democrata há um outro fenómeno inesperado a acontecer: tem 73 anos, um aspeto muito pouco consentâneo com os ditames do que é suposto ser um «candidato presidencial na América», mas n ão para de subir nas sondagens, sobretudo nos estados de arranque. 
  
Bernie Sanders, senador do Vermont há oito anos e meio, nem sequer é do Partido Democrata: apresenta-se no Capitólio como «independente», embora tendencialmente vote alinhado com a bancada democrata. 
  
Ao contrário de Barack Obama, quando surgiu em 2007/2008 a galopar rumo à derrota de Hillary, Bernie nem sequer é jovem, bonito e eloquente. 
  
Mas a verdade é que o caminho que está a traçar começa a ter comparações inevitáveis: Sanders foi apresentado, quando iniciou a corrida, como o «patinho feio» que não teria qualquer hipótese de fazer sequer cócegas ao superfavoritismo de Hillary Clinton. 
  
Só que não é isso, não é mesmo, o que se está a passar. 
  
«Straight talk»
 
 
Com a sua «straight talk» (há dias, disse sobre Donald Trump «penso que a sua visão sobre a imigração insulta a comunidade latina e é algo que não devemos adotar em 2015»), Bernie está a conseguir liderar um movimento que junta ativistas de esquerda, desalinhados com o «core» democrata, desiludidos com a Administração Obama e, sobretudo, trabalhadores de classe média e baixa que duvidam que Hillary Clinton consiga avançar mais do que Barack Obama em questões como a regulação do sistema bancário ou o rendimento da «working middle class America». 
  
Essa frontalidade de Bernie é muito apreciada na esquerda americana, que continua a ver Hillary como «demasiado colada ao sistema de poder». 
  
Nos últimos meses, a surpresa está a crescer: Hillary começou no Iowa e no New Hampshire, os dois estados de arranque, com 60/70%, tendo Bernie níveis residuais. 
  
Mas com o avançar da corrida, aconteceram três coisas: 
  
-- Hillary foi começando a descer 20 ou 30 pontos, está agora pelos 40/50% no Iowa e abaixo ainda disso no New Hampshire; 
  
-- o não avanço da senadora Elizabeth Warren, do Massachussets, que está a permitir a Bernir sugar a totalidade das sensibilidades à esquerda do eixo Obama/Hillary, no partido democrata e no universo liberal na América; 
  
-- Bernie Sanders está a conseguir promover as maiores multidões nesta campanha, num efeito «bola de neve» que beneficia a ideia de que a sua candidatura ainda tem por onde crescer. 
  
É certo que, nas sondagens nacionais, a vantagem de Hillary é ainda relativamente confortável (mas também já foi bem maior…). 
  
Mas os sinais de nervosismo no campo da superfavorita já são tantos que não dá para disfarçar: ainda que quase todos continuem a apostar na nomeação de Hillary, a noção de «invencibilidade» da antiga secretária de Estado já caiu. 
  
E isso, na dinâmica de uma corrida presidencial nos EUA, pode ser muito preocupante. 
  
O mais cotado senador independente da história 
  
Bernard Sanders é o mais cotado senador independente da história da América. 
  
Nascido a 8 de setembro de 1941, filho de pai polaco e mãe de família judaica, completará em breve 74 anos. 
  
Caso fosse eleito, em novembro do próximo ano, o sucessor de Barack Obama na Casa Branca, seria o mais velho presidente americano eleito para primeiro mandato. 
  
O percurso político de Bernie é, a todos os títulos, notável: pela sua singularidade e pelo registo que tem no Congresso americano (16 anos como membro da Câmara dos Representantes, senador desde 2007, sempre pelo Vermont). 
  
Líder do Comité de Veteranos do Senado, Bernie sempre se afirmou como «socialista» e nunca como democrata. Essa «nuance» é para ele essencial para apontar a chave do seu discurso político: a de que os democratas, na América, não têm uma verdadeira política «social-democrata» (nos moldes europeus). 
  
Essa ideia tem-no destacado como um membro verdadeiramente original no Congresso americano. 
  
Geralmente vota alinhado com os democratas, mas muitas vezes (Saúde, Reforma Financeira) se demarca da posição da Administração Obama (achou a primeira versão do ObamaCare curta, estilhaçou a forma como foi elaborada a Dodd/Frank Bill). 
  
No Senado tem sido voz liderante em temas como acesso universal à saúde, direitos dos «gays», mudanças climáticas, direitos cívicos, «income inequality». 
  
O candidato progressista
 
 
Não deixa de ter uma ponta de ironia que precisamente na fase em que a Presidência Obama está a obter sucessos na área mais progressista (gay marriage, Reforma da Saúde definitiva, plano para Climate Change Act, Equal Pay e Ovetime PayRule) esteja a acontecer esta «pulsão» por Bernie Sanders. 
  
Hillary Clinton, que se apresentou como candidata muito atenta à classe média (quer ser a «campeã» da América trabalhadora), não está a conseguir agarrar essa causa na totalidade, talvez por ainda não se ter libertado da herança dos anos Clinton, que terminaram com a aprovação de medidas de desregulação. 
  
Pode ser que seja apenas um sinal de protesto, mas a sondagem que deu Sanders sete pontos à frente de Hillary no New Hampshire teve grande carga simbólica. 
  
Para mais, o «fenómeno Sanders» tem números concretos a apresentar: 28.000 pessoas em Portland, Oregon; outras 28.000 em Los Angeles, Califórnia. Mais de cem mil pessoas no somatório de comícios e ações em julho, o mês do «clique» para a candidatura do senador independente do Vermont. 
  
Há quem veja Bernie como uma «versão soft de Trump à esquerda». A comparação é, de todo, injusta: Sanders tem credibilidade e um percurso político no Congresso. 
  
Mas pode haver uma raíz comum no apoio a Bernie e Donald: o tal «desconforto com o sistema», um sentimento de zanga pela «gridlock» constante no congresso. 
  
Bill Scher, no Politico Magazine, observa: « Na verdade, Bernie não está a concorrer a presidente dos EUA. Está a concorrer a presidente da América Progressista. E quando se concorre numa base tão ideológica assim, os seus apoiantes ideológicos vão exigir tudo e não vão permitir desvios a essa plataforma. É um jogo que simplesmente não pode ser ganho». 
  
Bernie pode não ter hipóteses reais de chegar à Casa Branca. Mas que é um dos candidatos do momento nesta mais louca corrida do Mundo, isso é. 
  
Hillary está atenta e ainda não conseguiu estancar a ferida. 

quarta-feira, 12 de agosto de 2015

Histórias da Casa Branca: uma enorme sensação de desconforto




TEXTO PUBLICADO NO SITE TVI24.IOL.PT, A 12 DE AGOSTO DE 2015:

 
«John McCain herói? Bem, ele foi capturado. Prefiro os ‘heróis’ que não sejam capturados»

«Rick Perry acha que por pôr uns óculos à intelectual fica mais inteligente. Mas não está a resultar!»
 
 
(sobre Megyn Kelly, jornalista da FOX, no debate televisivo) «Podia ver-se que lhe saía sangue pelos olhos.  Tinha sangue a sair-lhe de… onde quer que fosse» 

DONALD TRUMP, multimilionário e «frontrunner» da corrida republicana 
  

«O acordo sobre o programa nuclear do Irão vai conduzir os israelitas para as portas de fornos crematórios» 
MIKE HUCKABEE, ex-governador do Arkansas, candidato às primárias republicanas 
  

«As declarações de Donald Trump e Mike Huckabee são ataques escandalosos que se tornaram muito comuns. Deviam ser consideradas ridículas se não fossem tão tristes. Estes são os líderes do Partido Republicano. Estamos a criar uma cultura que não é propícia a um debate político saudável ou a boas decisões políticas. Os americanos merecem melhor» 
BARACK OBAMA, Presidente dos EUA, sobre o tom da corrida republicana 
  
  
Há uma enorme sensação de desconforto a pairar no «core» do Partido Republicano - e no sistema político bipartidário tradicional na América. 
  
A corrida republicana tem sido marcada, nestes primeiros meses, pela «tempestade Trump». 
  
Como explicar que um candidato com declarações tão irresponsáveis e desbragadas, insultando mulheres, mexicanos e até vários candidatos republicanos, se mantenha firma na liderança das sondagens, tanto a nível nacional como nos principais estados? 
  
E que mesmo depois da polémica no debate, em que Donald deixou a entender que caso não seja o nomeado republicano se prepara para uma candidatura independente (que tem tudo para comprometer as aspirações eleitorais do Partido Republicano e oferecer de bandeja a presidência a Hillary Clinton), essa vantagem se mantenha? 
  
Uma nomeação de Trump continua a ser cenário surreal, mas a simples formulação da ideia dá conta do estado de total confusão e desnorte a que chegou o Partido Republicano. 
  
Jeb Bush, o favorito natural à nomeação, afunda-se nos 5% no Iowa, estado de arranque, e segundo no New Hampshire. Até na Florida, estado que governou, aparece um ponto atrás do «Super Trump». 
  
Consequência, talvez, da estratégia de contenção que entendeu seguir no debate da FOX. O que até agora os números estão a dizer é que os eleitores republicanos estão a preferir o barulho do multimilionário. Até quando? 
  
Os democratas, para já, andam divertidos: teoricamente, será bom ver o campo adversário em tamanho desnorte, com os candidatos mais fortes contra Hillary na eleição geral (Bush, Rubio, Walker, Paul, Christie), reféns dos disparates monopolizadores do senhor Donald. 

Uma nomeação Trump ou uma «terceira» candidatura a perturbar o duelo entre nomeada democrata e nomeado republicano na eleição geral seria, quase de certeza, vitória certa para Hillary. 
  
Mas… a longo prazo, os democratas deviam ter algum receio: a liderança Trump é sinal de doença crónica do sistema política na América. Algo de muito mau tem que estar a acontecer. 
  
É hora de acabar com o «estado de negação»
 
 
Até há poucas semanas, assistia-se a uma espécie de «estado de negação» generalizado: todos os «pundits», comentadores e mesmo financiadores consideravam que Trump não tinha hipóteses de nomeação e que a liderança nesta fase era fenómeno passageiro, tipo meteorito. 
  
Afinal de contas, Trump é demasiado irresponsável, demasiado «fora da política», demasiado excêntrico, para sequer se imaginar que na Convenção Republicana em Denver, Colorado, no verão de 2016, possa vir a receber a nomeação presidencial do histórico Partido Republicano. 
  
Mas a persistência nos números (cerca de dez pontos de vantagem nas sondagens nacionais, liderança no Iowa, New Hamsphire e até na Florida, nas corridas estaduais) faz com que a inquietação comece a ter lugar: e se Donald Trump ganhar mesmo? 
  
Jeff Greenfield, no «Politico», observa: «Quando tentamos perceber a razão que levou Donald Trump a deixar a classe política em estado de choque, será avisado não abandonar todos os assuntos em que ele tem tocado e tentar perceber onde se aproxima dos eleitores. Quando e por que é que tendem a quebrar as regras? Por que é que os argumentos contra as campanhas colhem tanto?» 

O mais esquisito nisto tudo é que o leque de 17 (!) candidatos republicanos (de longe o maior da história de umas primárias presidenciais na América) tem outras alternativas às piores características de Donald: queriam um 'durão'? Há Chris Christie. Queriam um fundamentalista anti-sistema e anti-Washington? Há Ted Cruz. Queriam um ultradireitista religioso? Há Rick Santorum e Mike Huckabee.  

Trump parece apresentar-se como um pacote do mais excêntrico numa nave de loucos em que os mais sensatos (Rubio, Kasich, Bush, Pataki) saem a perder. 
  
O caminho da estratégia de Jeb Bush, então, é particularmente complicado de escolher: deve manter-se na rota da credibilidade ou deve ceder ao apelo de virar a agulha à direita? 

O ex-governador da Florida ainda não conseguiu a vantagem que Mitt Romney obteve em 2012. E, mesmo assim, o ex-governador do Massachussets sentiu-se na obrigação, nessa altura, de virar à direita nas primárias, para estar mais perto das bases republicanas. O problema foi que, na eleição geral, quando se recentrou para disputar votos com Obama, soou a falso. 

Bush sabe disso e não quer passar pelo mesmo. Mas... para tal tem que chegar à nomeação e para já as sondagens não lhe dizem isso. No mínimo, perturbador. 

E não é só um problema de Jeb. É também de Rubio (que teve bom desempenho no debate, mas aparentemente ainda não colheu grandes vantagens com isso). É de John Kasich, o governador do Ohio que tem posições moderadas e razoáveis sobre temas como a reforma fiscal, casamento «gay» ou o aborto. Ou de Carly Fiorina, vencedora clara do debate alternativo, que viu os dias seguintes serem monopolizados pelo episódio Trump vs Megyn.  

Como explicar isto? 
  
Ainda ninguém conseguiu responder completamente a isto, mas pode haver algumas explicações. 
  
A América é um país diverso e contraditório. Nela cabe uma maioria que deu duas eleições presidenciais a Barack Obama, um candidato negro com agenda progressista e que tem, na Casa Branca, aprovado legislação a favor das minorias, pela classe média, pela saúde para todos, e se bate por temas controversos para a direita, como as alterações climáticas e a imigração. 
  
Mas nos EUA continua a haver uma fatia grande do eleitorado que detesta ver alguém como Obama na presidência. Que vê o sucesso empresarial como valor supremo, acima dos direitos cívicos ou de uma noção de justiça social. 
  
Muitos republicanos estão zangados com os líderes do seu partido que, nos últimos anos, perderam para Obama (McCain e Romney) e não o conseguiram paralisar por completo a nível legislativo (os congressistas e senadores, alguns deles são candidatos nestas primárias). 
  
Logo, muitos deles olham para Donald Trump como o tipo de fora que consegue somar dinheiro e vence nos negócios. Uma versão «hard» do sonho americano. 
  
O sucesso de Donald nas sondagens republicanas é, por isso, um misto de crítica ao sistema (atinge indiretamente Obama e diretamente os republicanos «tradicionais»). 

Em muitos aspetos, a América é um país que continua numa espécie de «guerra civil ideológica». Os EUA de Obama são maioritários e prevaleceram na Casa Branca desde 2008. Mas convém não esquecer que também continuam a existir os EUA de Trump. 
  
Nos próximos meses, essa «guerra ideológica» vai agravar-se. Trump até pode cair entretanto. Mas o «cancro» está lá. 
  
O que vai definir o vencedor, mais uma vez, é a vontade soberana do povo americano. A maioria, seja ela qual for, ganhará. Mas é já certo que restará uma… imensa minoria disposta a continuar a fazer barulho. 

sexta-feira, 7 de agosto de 2015

Histórias da Casa Branca: fator Trump fez do debate uma espécie de circo



TEXTO PUBLICADO NO SITE TVI24.IOL.PT, A 7 DE AGOSTO DE 2015:


O Quicken Loans Arena, em Cleveland, casa dos Cavaliers, local que acolherá daqui a um ano a Convenção Republicana que vai investir o próximo nomeado presidencial da direita americana, foi palco do primeiro grande combate da longa campanha para 2016, que ainda agora está a começar. 
  
Donald Trump, o fator inesperado do arranque da corrida republicana, esteve no centro das atenções. 
  
Isso já era esperado, mas o que nem todos terão antecipado foi que o «fator Trump» iria transformar o primeiro debate presidencial numa… espécie de circo. 
  
Alguns aplausos, muitas vaias. Donald é um «frontrunner» com imensos anti-corpos no próprio Partido Republicano, como rapidamente se percebeu à primeira pergunta, quando foi o único a não garantir que não iria tentar uma candidatura independente caso não fosse o nomeado: «Acho que vou ser, até porque vou à frente. Mas se não for, não posso garantir isso, porque quero concorrer».   

Um «focus group» preparado pela FOX mostrou que alguns apoiantes de Trump condenaram esta posição, falando em «desilusão» e «traição aos republicanos». «Apoiava-o porque achava que era diferente dos políticos. Mas depois deste debate, Donald pareceu-me um político ou até mesmo pior que eles», comentou um dos eleitores que antes do debate se declarava «por Trump». «Achei-o zangado, demasiado agressivo. Não o imaginava assim», comentou outra eleitora desiludida com o desempenho do «frontrunner»

Trump tem uma taxa de reprovação elevadíssima e isso foi bem audível pelas reações da assistência a cada resposta que dava. Desrespeitou as regras do debate, por vezes nem sequer ouviu a pergunta até ao fim. Foi deselegante para com Megyn Kelly, a única mulher no lote de três moderadores do debate, quando confrontado com o que escreveu no twitter sobre as mulheres. 
  
Jeb manteve linha moderada
 
 
Jeb Bush, apontado como favorito à nomeação até à «surge» do multimilionário, tentou não cair na «armadilha Trump». Mas tinha preparada uma deixa com ar de quem queria fazer frente ao estilo de Donald, para mostrar que também podia ser duro: «Na Florida, chamavam-me ‘veto Corleone’, tantas vezes usei esse instrumento’.» 
  
No essencial, Jeb colocou-se como o candidato mais institucional, tentando recentrar a ideia de ser o mais «elegível» e «viável» para a eleição geral, apesar dos problemas que tem tido nas últimas semanas: «O meu registo conservador ajudou as pessoas a ficarem melhores. E quanto ao meu pai e ao meu irmão, na Florida tratam-me por Jeb». 

O governador da Florida quis tanto manter linha moderada que até Donald Trump, situado à sua direita, disse já na reta final: «Você é um gentleman. E digo isto sinceramente»
  
Outros dois pretendentes à nomeação com hipóteses reais de lá chegar, Marco Rubio e Scott Walker, não puderam seguir o guião preparado, tão perturbador foi o «fator Trump». 
  
Rubio, ainda assim, passou a ideia de ser o «candidato do futuro» e aprimorou a sua visão sobre imigração, demarcando-se da ferocidade primária de Trump ( «nem é verdade que os mexicanos sejam os que mais tentam passar a fronteira ilegalmente, há muito mais guatemaltecos, costa-riquenhos e de outras nações»), mas mostrando ter proposta mais exigente que Bush sobre o tema. 
  
Scott Walker acusou algum nervosismo no início, mas conseguiu mais tarde atirar ataque a Hillary Clinton, em temas como o «mailgate» e na instabilidade no Médio Oriente. 
  
Christie «vs» Paul: duelo periférico 
  
Jeb Bush, Marco Rubio e Scott Walker eram os candidatos com mais obrigações de desafiar a liderança de Trump, mas o duelo mais claro que se verificou no debate foi entre dois candidatos que neste momento são periféricos: Chris Christie e Rand Paul. 
  
As críticas do governador da Nova Jérsia às posições anti-vigilância de Rand Paul no Senado criaram o momento mais aceso da noite entre dois candidatos no «plateau». 
  
Mas Rand também se «pegou» com Trump, o que levou Donald a atirar: «Você está a ter uma noite difícil…» 
  
Ben Carson (boa declaração final, original e divertida) e Mike Huckabee não saíram das suas «trincheiras» muito à direita (Huckabee chega a ter posições mais radicais sobre aborto e direitos dos homossexuais do que Trump ou Cruz) e Ted Cruz optou por via muito radical na sua visão anti-sistema, anti-Washington e até anti-líderes republicanos no Congresso, prometendo, se for eleito, «revogar todas as medidas executivas de Barack Obama». 
  
E quanto a John Kasich, governador do Ohio e último a entrar na corrida, aproveitou o «fator casa» e foi dos mais aplaudidos. Enquadrou o «momento Trump» na «fúria dos eleitores contra o estado da política, do sistema e de Washington». 
  
A primeira noite de debates das eleições 2016 mostrou também um Partido Republicano ainda pouco aberto às diferenças: num larguíssimo campo de 17 candidatos (10 no painel principal, outros sete no alternativo realizado horas antes), só uma mulher (Carly Fiorina), um negro (Ben Carson), um indiano-descendente (Bobby Jindal) e dois latinos (Marco Rubio e Ted Cruz). 

E, é claro, depois de se falar de temas mais «políticos» como imigração, relações externas, saúde e defesa, o debate republicano terminou com os pensamentos de cada candidato sobre... Deus. «God bless America», sempre. 

Rubio e Walker fortes na «favorabilidade» 
  
O primeiro debate foi claro na confirmação de que Donald Trump é o «frontrunner» que todos querem derrubar, mas a corrida está num ponto de uma certa… esquizofrenia. 
  
É que apesar de, nas sondagens, Trump continuar destacado na frente, no índice de favorabilidade (saldo entre opiniões positivas e negativas), Marco Rubio e Scott Walker são os mais bem posicionados no eleitorado republicano. 
  
Estudo divulgado pelo «Gallup» horas antes do debate aponta o senador da Florida com 52% de opiniões favoráveis e apenas 14% desfavoráveis (+38%), tendo o governador do Wisconsin (45% bom, só 7%) o mesmo saldo de 38%. 
  
Jeb Bush fica um pouco abaixo, por culpa do elevado número de opiniões desfavoráveis (27%), apesar de bom resultado nas opiniões favoráveis (52%). Quanto a Trump, é o recordista das opiniões favoráveis (55% e isso talvez explique a liderança nas sondagens para já), mas também das desfavoráveis (37%), o que lhe confere um saldo positivo de apenas 18%. 
  
A questão estará, por isso, em perceber se, nas próximas semanas e meses a enorme visibilidade de Trump (para o melhor, mas também para o pior) lhe continuará a dar a liderança da corrida, ou se a partir de um certo ponto isso não irá virar-se contra ele. 
  
Rudy Giuliani, pretendente falhado à nomeação republicana de 2008, avisou há dias em entrevista televisiva: «É um erro desvalorizar Trump. Ele tem apontado algumas questões importantes. Podemos estar aqui perante um pequeno Reagan em potência». 
  
Fiorina brilhou no «outro» debate 
  
Esta noite de arranque de debates televisivos para a corrida presidencial de 2016 foi tão original que até teve uma espécie de… «programa alternativo». 
  
Quatro horas antes do «Big Debate» com os dez mais bem posicionados nas sondagens, realizou-se um segundo debate, mais curto, de 60 minutos, com os sete candidatos menos cotados até esta fase. 
  
E foi a única mulher, Carly Fiorina, ex-CEO da Hewlett Packard, quem demonstrou melhor «performance». 
  
Esteve forte, com ideias claras, a posicionar-se como conservadora focada nas empresas e no rigor fiscal -- até lhe perguntaram se uma comparação com Margaret Thatcher era legítima. 
  
A questão é que se torna duvidosa uma eventual vantagem de Fiorina em ter «ganho» o debate alternativo. Só o facto de ter sido «relegada» para o segundo painel já terá sido revés suficientemente grande para se poder falar em «vitória». 
  
Mesmo assim, os elogios quase consensuais a Fiorina (até Megyn Kelly, no arranque do debate principal, puxou por essa ideia) podem tê-la lançado para uma nova fase da sua campanha, não sendo de excluir que em próximas sondagens Carly surja bem acima dos 2% (e até há quem a veja como uma boa solução para vice-presidente do futuro nomeado republicano). 
  
Rick Santorum, ex-senador da Pensilvânia que foi segundo nas primárias de 2012, levou com a pergunta: «O seu tempo não terá já passado?». 
  
Bobby Jindal, que no início da era Obama era visto como uma das ‘rising stars’ do Partido Republicano mas entretanto perdeu gás, foi confrontado com os maus números de aprovação no estado da Luisiana, que governa. 
  
O senador Lindsey Graham, da Carolina do Sul, ainda conseguiu atirar umas alfinetadas a Hillary e mostrou músculo contra o Estado Islâmico. 
  
Já os antigos governadores Rick Perry (Texas), Jim Gilmore (Virgínia) e George Pataki (Nova Iorque) revelaram fragilidades que dificilmente resistirão ao avançar da corrida. 
  
Mas, lá está, isto foi só a primeira noite de debates televisivos. Muitas outras se seguirão nos próximos meses.