sábado, 16 de maio de 2015

Histórias da Casa Branca: o fantasma de Bin Laden



TEXTO PUBLICADO NO SITE TVI24.IOL.PT, A 16 DE MAIO DE 2015:


«O que é verdade nesta história não é novo e o que é novo não é verdade» 
Reação oficial da Casa Branca ao artigo de Seymour Hersh na London Review of Books 
  

«Sou repórter há muitos anos, tenho a noção das consequências do que escrevo. Acreditar que Bin Laden estava escondido tão perto do poder paquistanês é acreditar num conto de Lewis Carrol» 
Seymour Hersh, à CNN 
  
  
A «Operação Geronimo», que em maio de 2011 concretizou a eliminação de Osama Bin Laden, inimigo número 1 dos EUA desde o 11 de Setembro de 2001, foi apresentada como um dos melhores momentos do primeiro mandato presidencial de Barack Obama e jogada como trunfo para a reeleição em 2012. 

Visto durante muito tempo como líder «fraco e hesitante» em política externa, Obama teve na eliminação de Bin Laden a jogada ideal para demonstrar força, decisão e liderança no momento mais arriscado. 

A noção de que, com os republicanos, a América estaria mais segura deixou de ser um argumento claro e isso contou muito na forma como Obama bateu Romney, em novembro de 2012. 

Mas… será que tudo o que foi revelado na altura corresponde à verdade? 

Osama Bin Laden foi apanhado e morto numa vivenda que se situava muito perto de um complexo militar paquistanês em Abbotabad, algo que desde logo gerou desconforto entre Washington e as lideranças políticas e militares de Islamabade. 

Seria mesmo verdade que o homem mais procurado do Mundo estava escondido sem o conhecimento dos paquistaneses? E que eles não tiveram intervenção direta na operação tão bem sucedida dos Navy Seal em noite escura? 

Seymour Hersh, prémio Pulitzer, jornalista de investigação que publicou histórias muito incómodas para as versões oficiais em casos como os crimes de Abu Ghraib, publicou longo artigo no jornal «London Review of Books», no qual acusa a Administração Obama de criar uma «história alternativa na guerra ao terrorismo». 

A narrativa de Hersh baseia-se essencialmente em duas fontes (ambas não reveladas) e num pressuposto de base: a Administração Obama mentiu em quase tudo no que nos contou sobre a eliminação de Bin Laden. 

«O que é verdade? Que o Presidente Obama ordenou a operação, que os Navy Seals a concretizaram e mataram Bin Laden. Tudo o resto é mentira», atirou Seymour Hersh na entrevista que deu a Chris Cuomo, na CNN, após a publicação do polémico artigo. 
  
Com ou sem o Paquistão? 
  
O Presidente dos EUA falou numa «operação exclusivamente americana», mas Hersh garante que esta só foi possível com o envolvimento das chefias militares paquistanesas. 

O jornalista vai mais longe e garante que Bin Laden estava doente e preso pelos paquistaneses, quando foi morto pela equipa Navy Seal. 

«Sou repórter há muitos anos, tenho a noção das consequências do que escrevo. Acreditar que Bin Laden estava 
escondido tão perto do poder paquistanês é acreditar num conto de Lewis Carrol», acusou Hersh na CNN, em entrevista a Chris Cuomo. 

Hersh cita dois generais paquistaneses em «on», um deles referindo «you got the story» e uma «major U.S. source» para garantir que a Administração Obama cooperou com os serviços de informação paquistaneses para matar Bin Laden e que o «chief of staff» do exército paquistanês e diretor geral dos serviços de inteligência do Paquistão «sabiam da operação». 

O jornalista está, ainda, convicto de que o «plano A» da Administração Obama seria anunciar alguns dias depois da morte de Bin Laden que um drone lançado para zonas de talibãs «algures no Waziristão, numa «no man land» entre o Paquistão e o Afeganistão, tivesse matado um tipo alto que, após análise de fotografias tiradas, se comprovasse ser Bin Laden». 

«Esse era o plano A», insistiu Hersh. Mas o Presidente decidiu mudá-lo, anunciando nessa noite ao público que o tínhamos apanhado e morto. Talvez por interesses políticos, não sei». 

«Demasiadas imprecisões» 

Numa primeira reação, o porta-voz adjunto do Conselho de Segurança da Casa Branca, Ned Price, assegurou em comunicado que a história tem «demasiadas imprecisões e afirmações sem fundamento».  

«A noção de que a operação que acabou com a vida de Osama bin Laden foi outra coisa que não uma missão unilateral dos EUA é evidentemente falsa», insistiu o porta-voz. 

«Temos sido parceiros do Paquistão na luta contra a Al Qaeda e o terrorismo, mas esta operação foi exclusivamente americana», insistiu Price. 

Mais tarde, num briefing, Josh Earnest, porta-voz da Casa Branca, foi ainda mais claro: «O que é verdade nesta história não é novo e o que é novo não é verdade». 
  
Na verdade, não foi só a Casa Branca e a estrutura oficial da liderança política em Washington que desmontaram a versão de Seymour Hersh. 

Peter Bergen, especialista em segurança nacional da CNN, ele próprio autor de investigação sobre a operação que eliminou Bin Laden, comentou: «A versão de Hersh tem muitas inconsistências. Baseia-se em duas fontes anónimas. Visitei a casa onde Bin Laden estava escondido e vi que estava cravejada de bolas. Houve tiroteio. A posição do Paquistão é também difícil de acreditar e cai pelo senso comum». 
  
A versão de Hillary 
  
No livro «Escolhas difíceis», recentemente publicado em versão portuguesa, a agora candidata presidencial e então secretária de Estado, Hillary Clinton, contou a sua versão. 
  
E não regateou elogios à coragem e capacidade de liderança de Barack Obama no momento mais delicado da sua presidência até agora. 
  
«Manter a América segura, forte e próspera implica um vasto conjunto de escolhas, muitas delas vêm com informações incompletas e interesses em conflito. Talvez o exemplo mais conhecido dos meus quatro anos como secretária de Estado foi a ordem do Presidente Obama de enviar uma equipa da Navy Seal numa noite sem luar, para trazer Osama Bin Laden à justiça. Os principais conselheiros do Presidente estavam divididos. Os dados dos serviços de inteligência eram fortes, mas longe de serem definitivos. Os riscos de falhanço eram significativos. Muito estava em jogo na segurança nacional americana, a nossa batalha contra a Al Qaeda e a nossa relação com o Paquistão. Acima de tudo, as vidas daqueles bravos Navy Seal e pilotos de helicópteros faziam equilibrar a balança. Foi a mais corajosa demonstração de liderança que alguma vez vi». 
  
Podemos não ter ficado a saber toda a verdade sobre a operação que eliminou Osama bin Laden. Mas que se tratou de um dos momentos mais importantes do primeiro mandato presidencial de Obama, disso não ficarão grandes dúvidas. 
  

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