terça-feira, 26 de agosto de 2014

Histórias da Casa Branca: Hillary Clinton marca território

TEXTO PUBLICADO NO SITE TVI24.IOL.PT, A 26 DE AGOSTO DE 2014:

Hillary Clinton vai ser a primeira mulher Presidente dos Estados Unidos da América?

É possível, mas está longe de ser uma certeza.

A 27 meses das eleições presidenciais, os dados são idênticos ao que tem acontecido desde o início do ano: Hillary tem vantagem tão gigantesca no lado democrata (50 a 60 pontos de diferença sobre qualquer eventual adversário nas primárias do seu partido) que nos «media americanos» já é apresentada como «presumível nomeada presidencial» para 2016.

Do lado republicano, cenário oposto: vários candidatos, nenhum deles a conseguir assumir condição de «frontrunner». 

Perante este quadro, Hillary, mesmo sem ter que responder «sim» à pergunta que já lhe fizeram mil vezes («vai ser candidata à presidência em 2016?»), já começou o seu périplo mediático para lançar a candidatura. 

No tal estatuto não muito definido, mas repetido vezes suficiente para ter vida própria, de «presumível candidata democrata», Hillary toma posições sobre os temas que dominam a agenda da alta política americana. Lança críticas. Dá sugestões. Provoca reações de adversários e apoiantes. Sim, isso mesmo: como se já fosse a nomeada presidencial com legitimidade do seu partido para batalhar pela sucessão de Obama. 

Como antigo elemento de uma Administração Obama, Hillary tem tido, em termos gerais, o cuidado de mostrar concordância com o rumo que tem sido tomado pelo Presidente. 

Mas essa atitude teve uma mudança notada por todos, na entrevista dada à «The Atlantic», já aqui abordada no «Histórias da Casa Branca».

Enquanto no Iraque e na Síria o ISIS escalava perigosamente a violência das suas ações, e antes ainda da divulgação do vídeo da decapitação do jornalista americano James Foley, Hillary lançou uma espécie de «bomba» política, ao demarcar-se do «don¿t do stupid stuff» (não façam coisas estúpidas), frase aparentemente redutora quando se fala de tema tão complexo, e que chegou a ser apontado por Obama como princípio orientador em política externa. 

«Grandes nações precisam de princípios organizadores. 'Não fazer coisas estúpidas' não é um princípio organizador», comentou Hillary, nessa entrevista. Os analistas, desde aí, têm reforçado esse distanciamento. 

Será que a futura-candidata-presidencial Hillary já sente a necessidade de escolher a herança dos anos Obama (separando o que não concorda e querendo ficar apenas com o que considera positivo?).

Chris Cillizza, no Washington Post, observa: «Hillary Clinton fez uma jogada estratégica para começar a distanciar-se da política externa do Presidente Obama. Falhou.» 

A equipa de Hillary, preocupada com as reações do «Mundo Obama» das críticas dela ao «não façam coisas estúpidas», libertou uma declaração para acalmar tensões. «A secretária Clinton ligou ao Presidente para assegurar que ele saiba que nada do que ela disse tinha como intenção atacá-lo a ele, a alguma coisa que tenha feito, ou às suas políticas, ou à sua liderança», garantiu o porta-voz de Hillary Clinton, Nick Merril. 

Um dos mais proeminentes membros do tal «Mundo Obama» é David Axelrod, talvez a pessoa mais próxima do Presidente, antigo conselheiro sénior da Casa Branca e principal estratega das duas eleições presidenciais de Obama. 

Em pleno rescaldo do «episódio Hillary/entrevista à Atlantic», «Ax», como lhe chama Obama, fez twitt para esclarecer: «Apenas para clarificar: «Don¿t do stupid stuff» significa coisas como Iraque na primeira intervenção, o que foi uma coisa trágica». A observação não é ingénua: Axelrod, que conhece ao pormenor todas as possíveis fragilidades do percurso político de Hillary (foi ele que estudou a forma de ataca-la nas primárias de 2007/2008), tentou lembrar, de forma indireta, que a então senadora Clinton não se opôs, na votação no Capitólio, à intervenção de Bush no Iraque, em 2003.» 

Histórias da Casa Branca: a Síria, o ISIS e o «novo Iraque» de Obama

TEXTO PUBLICADO NO SITE TVI24.IOL.PT, A 22 DE AGOSTO DE 2014:

«Os jihadistas sunitas, que tomaram grandes partes de território iraquiano e sírio, podem ser controlados»
General Martin Dempsey, chefe do Estado-Maior das forças armadas americanas

«Quanto mais Obama retardar a ofensiva, mais o ISIS ajusta as suas posições e mais difícil será reagir. Uma das decisões que ele tem que fazer é atacar o ISIS na Síria porque eles estão a avançar o equipamento capturado para lá e estão a batalhar lá e têm enclaves lá»
Senador John McCain, do Arizona


O «novo Iraque» de Obama promete ser bem mais difícil e sangrento do que a retirada das tropas, êxito aparente na primeira fase desta presidência, decorrência de promessa eleitoral que ajudou o atual inquilino da Casa Branca a ser eleito pela primeira vez, em 2008.

Se a «contenção» anunciada pós-Bush estava ao favor da corrente da opinião pública, o novo quadro na região anuncia-se bem mais complexo, com riscos enormes de redundar em novo banho de sangue.

Podia até ser tudo o que não era preciso agora, com as crises na Ucrânia e em Israel/Gaza ainda em fases de especial tensão. 

Mas o que se passou nas últimas semanas, com o avanço do ISIS capaz de dar aos fundamentalistas sunitas o controlo de cerca de um terço do Iraque e de partes da Síria, exige resposta rápida.

Obama autorizou bombardeamentos cirúrgicos em zonas controladas pelo ISIS e isso, de acordo com as últimas informações, terá enfraquecido seriamente as posições do Estado Islâmico do Iraque e do Levante (ISIS, no acrónimo anglófono).

Mas a ação americana surgiu tarde. O aumento brutal no número de vítimas mortais, com especial incidência na população cristã do Iraque e nos «yazidis», foi tornando o avanço do ISIS insuportável aos olhos dos ocidentais. 

A decapitação do jornalista americano James Foley, amplamente difundida em vídeo de uma violência chocante, pode ser um «turning point» neste enorme problema. Uma espécie de «abate do avião da Malásia» para as posições russas na Ucrânia, versão ISIS no Iraque e na Síria. 

Se parte da opinião pública americana se revia numa visão de «containment» da administração Obama, a urgência do «regresso», não com tropas no terreno mas ações militares cada vez mais agressivas, passou a ser dominante. 

John McCain, adversário de Obama nas eleições de 2008, não se tem cansado, nos últimos dias, em pressionar o Presidente a agir de forma mais dura contra o ISIS e a alargar o seu raio de ação à Síria. 

As chefias militares têm, de forma mais matizada, mostrado sinais de estarem prontas para isso. A leitura do general Martin Dempsey aponta para vantagens identificadas em travar o ISIS pela via dos bombardeamentos. 

Ed Rogers, no Washington Post, postula: «Em política, a regra é 'quando estás em apuros, cria alguma agitação'. Embora o presidente tenha sido hesitante em usar a força, ação determinada no Médio Oriente, depois da execução nojenta do jornalista James Foley é um grande motivo para mostrar uma posição firme. O presidente pode ¿ e deve ¿ aproveitar o momento; mas este momento, como todos os momentos nos dias que correm, é perigoso e incerto».

Os EUA estão, pois, de regresso, e em força, à arena iraquiana. E serão obrigados a entrar, cada vez mais, com armas e até homens, no atoleiro sírio. 

A vontade política desta administração será pouco mais do que zero, mas há momentos em que o «soft power» (por muito melhor que seja em situações de aparente normalidade) não chega.

Nunca é prudente desvalorizar o lado imprevisível das relações internacionais. 

sexta-feira, 1 de agosto de 2014

Histórias da Casa Branca: não é a «Guerra Fria II», mas às vezes parece

TEXTO PUBLICADO NO SITE TVI24.IOL.PT, A 1 DE AGOSTO DE 2014:


A Ucrânia e Gaza, dois casos cada vez mais graves e bicudos, quase nos estão a fazer esquecer que o Iraque está em escalada de desmembramento, na iminência de ficar sob controlo do ISIS.

O mundo está perigoso: cada crise parece mais ameaçadora que a anterior. 

Israel decide avançar para ofensiva terrestre em Gaza, o balanço de vítimas civis é enorme.

O cessar-fogo «de 72 horas» em Gaza, acordado por Israel e o Hamas, durou apenas duas horas, com os dois lados a acusarem-se mutuamente de bombardeamentos que causaram 40 mortos em manhã de suposta trégua.

Muitos vêem nesta escalada uma consequência da redução do poder americano e a emergência de novos atores regionais.

Em entrevista a Charlie Rose, na Bloomberg TV, Hillary Clinton comenta: «Preferia que Israel não invadisse Gaza. Negociei o último cessar-fogo, em novembro de 2012. Rockets «choviam» sobre território israelita. Tivemos um debate interno sobre se os EUA deviam envolver-se diretamente. Reuni com Netanyahu e expliquei porque é que os EUA achavam que Israel não devia fazer a invasão. Neste caso, há grandes diferenças. A liderança do Egito mudou. O tipo de ameaças e de armas mudou. O número de mísseis aumentou. Até são usados drones. Quando se anunciou o cessar-fogo, o Egito disse imediatamente disse sim, o Hamas disse não. Não é uma resposta fácil dizer se concordo com a invasão de Israel. Preferia que não estivesse a acontecer».

Kerry não tem sido o ás de trunfo de que esta crise precisava do ponto de vista diplomático. Apesar da atual administração americana ter mantido o apoio e financiamento a Israel, os israelitas não confiam em Obama.

O agravamento do número de rockets lançados pelo Hamas sobre território israelita, e o aumento dos túneis construídos (mais de 30, três milhões de dólares cada um), criaram um cenário insuportável por Telavive. 

A desproporção desde a escalada de violência (perto de 1500, quase todas civis, nos palestinianos; pouco mais de 60, quase todas militares, no campo israelita) coloca Israel numa situação muito delicada.

Netanyahu promete levar esta ofensiva até às últimas consequências: «Os túneis têm que ser todos destruídos», garante o PM israelita. Continua com apoio da opinião pública de Israel, que está simplesmente farta de levar com rockets e ter que fugir para os abrigos todos os dias.

Muitos israelitas lembram que, enquanto o Hamas parece usar a população como «escudo humano», Israel faz tudo para manter o número de vítimas civis quase nulo no seu território, graças aos sistemas de alerta e abrigo. 

No Leste da Ucrânia, Putin joga de forma perigosa. O agravar das sanções euro-americanas apenas levou o líder russo a mudar de estratégia, virando-se para mercados asiáticos.

Em artigo no «Público», Jorge Almeida Fernandes aponta: «Vladimir Putin está a cometer demasiados erros de avaliação, o que é perigoso. A tragédia do avião da Malásia mostrou os riscos da sua política ucraniana e da perda de controlo sobre os bandos «separatistas». A seguir, perdeu a oportunidade de contribuir para uma desescalada sem perder a face. Está agora confrontado com uma perspetiva de sanções mais duras, que poderão constituir uma séria ameaça para a economia russa».

O abate do avião mudou tudo na evolução da crise ucraniana. Os mortos do voo 17 endureceram a atitude ocidental, atenuaram as divergências entre a UE e Washington sobre as sanções a aplicar à Rússia.

A oligarquia russa, mesmo a que se situa demasiado próxima da corte de Putin, não deseja o agravar da tensão com o Ocidente. 

É uma questão de racionalidade: a elite endinheirada russa precisa dos europeus e dos americanos para avolumar riqueza.

Faz sentido que Putin prossiga o caminho do endurecimento? O debate parece já correr na sociedade russa, longe de ser democrática, mas com tensões internas que a crise ucraniana faz alastrar.

O Presidente Obama insiste em garantir que esta não é a «Cold War II». Mas às vezes parece.