sexta-feira, 20 de junho de 2014

Histórias da Casa Branca: depois do choque, a reação republicana

TEXTO PUBLICADO NO SITE TVI24.PT, A 20 DE JUNHO DE 2014:


Depois do choque, uma reação rápida. Veremos se as consequências políticas serão suficientes para travar males maiores. 

Primeiro, o choque: Eric Cantor, influente congressista da Virgínia, um dos líderes ideológicos da «resistência conservadora» aos anos Obama, entrou para a história política da América com um constrangedor «recorde negativo» de ter sido o primeiro líder de uma maioria partidária no Congresso que não conseguiu manter o seu próprio assento na Câmara dos Representantes. 

E nem sequer foi numa luta eleitoral com o «outro lado da barricada». 

Na verdade, Eric, peça importante na negociação no verão de 2011, com o Presidente, por um acordo que travasse ao último minuto o «default» das contas americanas, nem sequer chegou, desta vez, à eleição geral de novembro, para as midterms: caiu a meio do caminho, perdendo as primárias do seu próprio partido para David Brat, um representante da fação extremista, muito pouco identificado com as «regras de negociações» de Washington. 

Do ponto de vista político, a derrota de Eric Cantor foi vista, no Capitólio, assim como uma espécie de... «tsunami». Entre as cúpulas partidárias, seja do lado republicano mas mesmo do lado democrata, ninguém sequer imaginou que tal coisa podia acontecer: um líder de uma maioria perante a humilhação de não ser legitimado pelos seus próprios companheiros de partido no estado que representa em Washington.

Sentido o choque, as ondas do impacto ainda se fazem sentir, duas semanas depois de tão inesperado evento. Até os congressistas republicanos, que nestes anos Obama deram tantas provas de autismo político, perceberam que tinha aparecido aqui uma espécie de... cartão vermelho.

Muitos analistas no espaço mediático americano identificaram uma espécie de... fim do Partido Republicano, na sua formulação clássica e previsível, disposta a negociar com «o outro lado», aberta a «reach across the aisle» e a conversar com um Presidente democrata, mesmo quando os pontos de contato são quase nenhuns. 

Em poucos dias, a reação: mudança rápida das lideranças republicanas no Congresso. 

Kevin McCarthy, congressista eleito pela Califórnia (estado cosmopolita e liberal), é o novo líder da maioria na Câmara dos Representantes, e Steve Scalise, congressista republicano da Luisiana, passou a liderar a «majority whip».

Há uma preocupação de renovação, não tanto geracional (Eric Cantor é um político relativamente jovem), mas de modelo de congressista. A intenção, clara, é dar a vez a republicanos que ainda não estejam demasiado conotados com os «old habits» de Washington: ambos na casa dos 40 em idade, Steve só é congressista há seis anos, tendo ficado com o lugar que era de Bobby Jindal, quando o americano-indiano foi eleito governador daquele estado sulista; Kevin, de apenas 39 anos, ganhou o lugar de congressista pelo 23.º distrito da Califórnia em 2007.

O primeiro passo de McCarthy e Scalise será conseguir um estilo de liderança mais compatível com John Boehner, o «speaker» do Congresso, também ele congressista republicano, eleito pelo Ohio, e também ele com dificuldades crónicas, durante a era Obama, de fazer a ponte entre a guerra política com os democratas e a pressão da ala extremista da direita americana, vulgarmente conhecida como «Tea Party».

Nas intercalares de há quatro anos, essa ala obteve um número impressionante de assentos, passando assim a poder influenciar, muitas vezes desvirtuar, o jogo político no Capitólio.

Esta mudança de líderes terá sido a última tentativa do GOP de se precaver para um novo «tsunami» em novembro, que lhe poderia comprometer o ataque à Casa Branca em 2016. 

Será suficiente?

sábado, 14 de junho de 2014

Histórias da Casa Branca: dureza com Moscovo, clareza com Paris

TEXTO PUBLICADO NO SITE TVI24.PT, A 9 DE JUNHO DE 2014:


Barack Obama apontou fronteiras claras na questão ucraniana. E assumiu-se como o elemento mais forte entre os líderes internacionais que pretendem travar a ameaça russa. 

De forma especialmente simbólica, Obama falou em Varsóvia, ao lado do seu homólogo polaco, em frente a poderosos F16, mostrando que a América está de regresso ao palco europeu no seu lado mais bélico. 

A mensagem ia direitinha para Moscovo, perante a insistência de Putin de se manter na Crimeia e perante a instabilidade em várias cidades do Leste da Ucrânia. 

A presença de Putin nas comemorações dos 70 anos do Dia D foi dado novo no clima de alta tensão que marcou os últimos meses, desde a jogada imprevista na Crimeia. 

Putin e Obama ainda não tinham estado cara a cara desde o estalar da crise, apesar de algumas conversas telefónicas, todas elas tensas e com trocas de acusações entre os líderes políticos de Moscovo e Washington. 

Na Normandia, um «estranho encontro», como lhe chamou Julie Pace, na Associated Press, não deixou claras as conclusões da breve conversa de um quarto de hora entre Vladimir e Barack. 

Vale a pena seguir o relato de Julie Pace na AP: «Obama era todo sorrisos à medida que os líderes se reuniam nos degraus que davam acesso do grande Chateau de Benouville para a foto de grupo. Tomou o seu lugar na fila da frente, ao lado da Raínha Isabel II e acenou e apertou a mão a vários líderes. Mas o Presidente dos EUA evitou sempre qualquer tipo de contato com Putin, quando o líder russo tomou o seu lugar, bem perto. Hollande, a rainha Margarida da Dinamarca e a Rainha Isabel de Inglaterra serviram de escudo de proteção entre Putin e Obama. Feita a foto, Obama esteve um pouco com a raínha de Inglaterra, enquanto Putin foi indo com Hollande, a caminho do almoço. Mas os dois pares ficaram quase lado a lado, com Obama tão perto de Putin que facilmente poderia até tocar-lhe nos ombros. Em vez disso, Obama continuou a conversa com a rainha de 88 anos. Mais que uma vez, ele diminuiu o passo, pondo alguma distância a Putin. Não havia «media» presentes na conversa Obama-Putin dentro do castelo, que assessores descrevem como «informal». 

Quase todos os sinais dos últimos dias confirmam uma via forte do Presidente dos EUA em relação ao problema no Leste da Europa: apoio ao novo presidente da Ucrânia, com fornecimento de armamento americano para Kiev e promessas de ajuda efetiva; reforço das sanções a Moscovo, dando a Putin «um prazo de três ou quatro semanas para recuar nas ameaças para que essas sanções não permaneçam».

Obama mantém discurso claro para com Putin: o alívio das sanções económicas depende, essencialmente, do reconhecimento de Moscovo do novo presidente ucraniano, eleito a 25 de maio. 

O novo presidente ucraniano vê a Crimeia «como espaço Ucrânia», mas terá direito a ter o embaixador russo em Kiev na sua tomada de posse. Mesmo que não o admita, Putin estará a dar sinais de desgaste pelo nível de sanções a que a Rússia tem estado sujeita.

E, por falar em sanções, os últimos dias marcaram também alguma tensão entre Washington e Paris pelo facto da França ter vendido material a Moscovo que se incluiria no pacote de restrições imposto à Rússia.

No caso BNP Paribas (banco francês condenado pela justiça americana a pagar multa pesadíssima de 16 mil milhões de dólares por ter emprestado dinheiro, entre 2001 e 2009, a países como Sudão, Irão e Cuba, que estão na «lista negra» das sanções), Hollande e o ministro dos Negócios Estrangeiros, Lauren Fabius, foram especialmente críticos dos EUA, queixando-se da «desproporção da coima».

O tema foi falado entre Obama e Hollanda, na Normandia, mas o Presidente dos EUA foi muito claro: «Não me meto em questões judiciais. Não telefono ao Departamento de Justiça».

domingo, 8 de junho de 2014

Histórias da Casa Branca: o caso Bergdahl e o trunfo Poroshenko

TEXTO PUBLICADO NO SITE TVI24PT, A 6 DE JUNHO DE 2014:


Os últimos dias têm sido intensos na estratégia internacional de Obama. 

O Presidente tem estado na berlinda dos «pundits» de Washington por ter aceite a troca de cinco prisioneiros talibans pela libertação do sargento Bowe Bergdahl, que esteve em cativeiro por cinco anos.

Trocar prisioneiros com o inimigo nunca é operação completamente limpa. A ideia de negociar com quem tenta fazer mal à América gera aversão imediata a muitos setores nos EUA e há mesmo correntes democratas que desaprovam a jogada do Presidente. 

Obama fez questão de receber, na Casa Branca, os pais do sargento libertado e, numa polémica muito discutível, o aspeto do pai de Bergdahl (a exibir barba que a muitos lembrou um estilo próximo de terroristas inimigos da América) agravou o ambiente político e mediático da questão. 

A coisa piorou quando, nos últimos dias, se somaram dúvidas, vindas de indicações que supostamente algunas congressistas republicanos terão, sobre se Bowe Bergdahl não seria, em vez de vítima, um «traidor» à América, por suposta conversão a ideais que ameaçam a segurança e os interesses dos americanos.

Mesmo assim, Obama mantém: «Não peço desculpas por esta decisão e por esta troca», lançou ontem, em conferência de Imprensa conjunta com o primeiro-ministro britânico, David Cameron. 

«Nunca me surpreendo por haver polémicas alimentadas nos corredores de Washington, ok? Essa não é a questão essencial», reforçou o Presidente. 

O caso promete ter novos desenvolvimentos, à medida que se foram descobrindo pormenores da captura ocorrida em 2009 e que, supostamente, terá documentação ainda não totalmente libertada por parte do Congresso. 

A verdade é que há, da parte do Presidente, mais um claro sinal da sua leitura de que o momento é de reduzir o peso de Guantanamo Bay (era lá que os cinco prisioneiros taliban, entregues ao governo do Catar, estavam) e de reforçar a noção de «regresso a casa» por parte dos militares americanos, aliviando a dor das famílias. 

No manual da doutrina Obama, este tinha tudo para ser um caso de «win-win», não fossem os últimos desenvolvimentos. 

Hillary Clinton, provável nomeada presidencial democrata em 2016, escreveu sobre o tema no livro que irá lançar na próxima semana. A obra recorda memórias de Hillary nos quatro anos na chefia da diplomacia americana e tem um título esclarecedor quanto à dificuldade do cargo: «Hard choices» (escolhas duras). 

Maggie Haberman, no Politico.com, antecipa uma das frases escritas pela ex-secretária de Estado, em claro apoio à visão do Presidente e em jeito de críticas para quem o atacou: «Abrir uma porta de negociação com os taliban é sempre um caminho muito difícil de engolir por parte de muitos americanos, depois de tantos anos de guerra». 

Enquanto isso, na frente ucraniana, a estratégia de «contenção» da ameaça russa teve dados positivos nos últimos dias. 

Obama deixou claro apoio ao processo eleitoral ocorrido a 25 de maio passado em Kiev, e que ditou uma vitória claríssima de Poroshenko, o «rei do chocolate», como novo presidente ucraniano. 

A posição da Administração americana, secundada por outras chancelarias na Europa, obriga, no mínimo, a uma desaceleração da ameaça russa sobre Kiev. Pelo menos, para já. 

A cimeira do G7, que terminou ontem em Bruxelas, reforçou a noção de isolamento de Putin. Pela primeira vez em muito tempo, a Rússia ficou de fora do clube dos países mais poderosos. E enquanto mantiver a atitude de agressão no Leste europeu, assim continuará a ser. 

Obama forçou Hollande a jantar duas vezes na passada quinta-feira, ao recusar sentar-se na mesma mesa de Putin. É certo que, depois, nas comemorações dos 70 anos do Dia D, Putin recebeu várias convites para encontros bilaterais («business obliges...»), mas o sinal de isolamento foi dado.

segunda-feira, 2 de junho de 2014

Histórias da Casa Branca: tempo de mudança na Administração Obama

TEXTO PUBLICADO NO SITE TVI24.PT, A 2 DE JUNHO DE 2014:


Na Casa Branca vive-se um tempo de mudança. 

Jay Carney, que depois de dois anos na equipa de Joe Biden foi o porta-voz da Administração Obama desde 2011, abandonou esta difícil função de dar a cara nos momentos de falar pelo Presidente, ao fim de três anos na função. 

Na hora do adeus, Obama destacou «o incrível profissionalismo de Jay» e admitiu que, por ele, «isto não aconteceria neste momento». 

Para o lugar de Carney foi nomeado Josh Earnest, jornalista com duas décadas de experiência na cobertura de Casa Branca, que há alguns anos tem vindo a trabalhar próximo de Obama, tendo sido o principal responsável pelas relações com os media durante a campanha de reeleição, em 2012. 

Mas esta não foi a única mudança de peso no governo Obama, nos últimos dias. 

Eric Shinseki, antigo general do exército norte-americano, nascido no Hawai (como Obama) com ascendência japonesa, abandonou o posto de secretário dos Veteranos.

Shinseki, ele próprio veterano da Guerra do Vietname, saiu na sequência de um escândalo sobre más condutas em hospitais para veteranos. 

O Presidente aceitou a demissão, embora explicando que Eric não teve responsabilidades diretas no que correu mal. «O seu serviço ao país é inatacável. Trabalhou duramente para tentar perceber o que correu mal, mas disse-me que havia a necessidade de mudar para que o problema seja resolvido.» 

Obama apontou Sloan Gibson como «a pessoa indicada para preparar da melhor forma as estrutura de apoio para os veteranos de guerra, adequadas aos tempos que vivemos». Mas ainda não o indicou como sucessor de Shinseki no posto de secretário dos Veteranos de Guerra.

Estas duas saídas (nenhuma com relevância política decisiva, mas com algum peso afetivo, porque tanto Carney como Shinseki eram relativamente próximos do círculo pessoal do Presidente) ajudam a definir o arranque da última etapa dos anos Obama.

A dois anos e meio da eleição que definirá a sua sucessão na Casa Branca, Obama prepara a reta final reunindo, cada vez mais, objetivos claros: a criação de um legado, não tanto a preocupação com pormenores que fazem as delícias do dia-a-dia de Washington. 

Na passada quinta-feira, um almoço (que não estava marcado na agenda oficial, mas que a Casa Branca não se preocupou muito em esconder), entre Barack Obama e Hillary Clinton constituiu outro sinal de que há novas etapas a iniciarem-se na Casa Branca. 

Hillary estará ainda muito longe de assumir seja o que for quanto a 2016. Mas começa a ficar perfeitamente claro que a secretária de Estado do primeiro mandato de Obama terá a passadeira vermelha estendida para a nomeação democrata, incluindo o apoio político e logístico do Presidente.

«Não sei o que ela vai fazer em 2016, mas tenho a certeza que poderá ser uma Presidente efetiva e capaz», considerou Obama em entrevista televisiva recente.

Enquanto isso, em West Point, no discurso anual na mais prestigiada academia militar que forma a elite do complexo militar norte-americano, Barack Obama lembrou a sua perspetiva de «contenção»: «Não é por termos o melhor martelo que vamos achar que todos os nossos problemas são um prego».

Uma definição comunicacionalmente atraente da tese segundo a qual o poder militar americano entrou, sobretudo desde que Obama é Presidente, numa fase instrumental. 

Mais importante do que, em termos efetivos, esse poder bélico, na Casa Branca entende-se como mais útil e mais realista um uso profilático desse poder: a «contenção» substituiu o «efeito eventualmente preventivo» que Bush quis fazer valer no Iraque. 

Os anos Obama ainda não acabaram, mas é muito provável que venham a ser recordados como a era do pragmatismo levado ao limite.