quarta-feira, 11 de setembro de 2013

Histórias da Casa Branca: a carta russa e a insistência de Obama

TEXTO PUBLICADO NO SITE TVI24.PT, A 11 DE SETEMBRO DE 2013:


«O fardo da liderança é, muitas vezes, pesado, mas o Mundo é um lugar melhor porque somos capazes de o carregar» 
BARACK OBAMA, Presidente dos EUA, discurso sobre a Síria

A crise síria levou uma volta inesperada, embora a intervenção militar continue a ser um cenário provável. 

Putin encostou Obama à parede, mas não retirou do Presidente dos EUA a decisão final.

A Rússia, «player» essencial em relação ao que se passar em Damasco, está de tal modo receosa com as consequências de uma intervenção americana que lançou uma jogada surpreendente, capaz de adiar os planos americanos para Damasco.

Aproveitando uma brecha na argumentação de John Kerry (que havia falado, em resposta a uma pergunta sobre o que ainda poderia fazer evitar uma intervenção militar dos EUA, na exigência de «Assad entregar todo o seu arsenal químico»), Putin, por certo em concertação com Assad, lançou essa carta, como que a dizer a Obama: «Se a Síria vos der o que Keery diz que pretendem, não têm argumentos para atacar». 

Numa primeira reação, Obama parece ter sido apanhado de surpresa. No seu «timing», a jogada de Putin foi muito bem lançada. Obama preparava-se para conseguir os votos do Congresso e essa parecia ser a antecâmara da intervenção. 

Com a jogada russa, o Presidente dos EUA foi forçado a mostrar que está recetivo a reavaliar as intenções de Assad, mas rapidamente a retórica de Obama, Kerry e Hagel se manteve neste plano: as armas químicas já foram usadas, isso exige uma resposta, e quem já as utilizou pode voltar a fazê-lo.

A posição da Administração Obama não mudou no essencial. John Kerry, secretário de Estado, lançou o aviso: «Será difícil cumprirem todas as exigências». 

Em entrevista à PBS, Barack Obama fez questão de reforçar a sua visão do problema, mesmo depois da proposta de Putin: «Fui eleito para acabar guerras, não para as começar. Isto não é o Iraque, não é o Afeganistão. Não é sequer a Líbia. Não haverá tropas no terreno, será uma ação limitada».

E sobre a jogada do seu homólogo russo: «Falei com Putin em São Petersburgo. Proposta da Rússia é uma continuação dessas conversas. As armas químicas não são aceitáveis».

«Assad não tem capacidade militar para responder a um ataque dos EUA. Aliados dele, como o Irão, teriam capacidade de fazer respostas assimétricas, a embaixadas nossas na região, por exemplo. Mas não têm o mínimo interesse nisso», acrescentou o Presidente. 

Horas depois, no discurso em «prime time» que fez aos americanos, e apesar de algumas mudanças de última hora que teve que fazer ao texto inicial, forçado pelo decorrer dos acontecimentos, Barack Obama desenvolveu a ideia de «excecionalidade americana», na qual se inscreve por completo: «Os nossos valores, para serem defendidos, podem necessitar do uso da força, em algumas circunstâncias. O fardo da liderança é, muitas vezes, pesado, mas o Mundo é um lugar melhor porque somos capazes de o carregar». 

Mas o Presidente retomou a ideia de descolagem com o que se poderá passar na Síria, em relação ao que aconteceu no Iraque e o Afeganistão: «Passei quatro anos e meio a acabar guerras, não a começá-las». 

Obama fez questão de recordar que resistiu «a responder militarmente à guerra na Síria porque não podemos resolver os conflitos dos outros com o uso da força», insistindo que só passou a defender a intervenção depois da «red line» violada por Assad, com o ataque químico de 21 de agosto.

O Presidente dos EUA resolveu dar uma última oportunidade à diplomacia, mostrando que o uso da força só será a escolha se não houver outra melhor. A verdade é que a crise síria conheceu um novo impasse. O Presidente pediu ao Congresso um adiamento do voto de autorização do ataque.

«Never ending story» em Damasco?

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