segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Histórias da Casa Branca: o precipício é já a seguir

TEXTO PUBLICADO NO SITE DA TVI24, A 31 DE DEZEMBRO DE 2012:

Faltam poucas horas para que os Estados Unidos caiam, tecnicamente, na «Fiscal Cliff». 

Mas, afinal, o que é que isso significa? Fácil de definir, difícil de imaginar: ao mesmo tempo, expiram os cortes fiscais aprovados nos anos Bush e prorrogados por Obama; começam a vigorar dolorosos cortes na despesa, para fazer face ao monstruoso défice; e os EUA atingem o teto da dívida.

Um precipício orçamental que pode fazer encolher a maior economia do Mundo em 600 mil milhões de dólares, um valor tão incrivelmente grande que é quase tão elevado quanto o megapacote que a Administração Obama fez aprovar no Congresso, em 2009, para iniciar a recuperação.

Quer isto dizer que existe um risco real de os EUA recuarem a níveis próximos do início da crise de 2008, depois de terem encetado uma recuperação lenta nos últimos três anos e meio, com a criação de emprego e o retomar do crescimento.

Tudo isto está em causa se não surgir um acordo milagroso em Washington: até ao final do ano que amanhã começa, a América arrisca-se a passar de um crescimento de dois por cento para uma recessão de um por cento; e o desemprego, cuja taxa foi descendo durante o primeiro mandato de Barack Obama mas ainda se mantém relativamente alta para os standards americanos (7.9%), pode chegar a níveis assustadores (acima dos 10%, até ao final de 2013, se a América se despenhar). 

Como é que foi possível termos chegado a este ponto? Acima de tudo, porque o sistema político americano, como bem explicava o comentador da CNN Bill Schneider, em entrevista recente ao TVI24.pt, «foi desenhado para montar governos fracos, mas responder bem a grandes crises».

A agenda política de Barack Obama foi relegitimada em novembro passado, com a reeleição. E ela tem um «mantra»: o de carregar fiscalmente os cinco por cento mais ricos, para que se possa aliviar fiscalmente os 95 por cento de americanos que se situam na classe média ou entre os mais desfavorecidos.

O problema é que as eleições de há quase dois meses renovaram a maioria republicana na Câmara dos Representantes. 

E o «mantra» dos republicanos é completamente diferente: passa por nunca permitir QUALQUER aumento de impostos, seja para ricos, pobres ou remediados.

Com a discussão em DC extremada e num nível muito pouco recomendável, o ano de 2012 foi marcado por uma espécie de «negação coletiva». 

Apesar dos primeiros avisos terem sido feitos por Ben Bernanke, presidente de Fed, ainda em fevereiro, tanto democratas como republicanos foram ignorando estrategicamente o aproximar do «deadline». 

Com eleições presidenciais, para o Congresso e para governadores dos estados em novembro, o «establishment» político americano foi-se entretendo com o circo das campanhas e com os interesses eleitorais dos candidatos.

Aqui chegados, a horas de se cair tecnicamente no precipício orçamental, o que é que pode acontecer?

Todos têm a perder. Mas os republicanos perdem mais do que o Presidente. Obama sabe que tem os trunfos na mão e, como fez no verão de 2011, está a mostrar-se um magistral jogador de póquer.

O problema é que terá arriscado de mais, ao perceber o clima de «guerra civil» no Partido Republicano, entre aqueles que querem negociar e os radicais que se opõem a aumentos de impostos a quem ganha mais de um milhão de dólares (!). 

Apesar dos democratas se manterem no controlo do Senado, isso não é suficiente para o Presidente consiga resolver uma situação como a Fiscal Cliff.

O nervosismo é geral, mas Obama tem mais instrumentos para minimizar o impacto da queda.

O Presidente já tem um plano B (que o Senado apresente um plano de emergência que faça a ponte até que haja acordo em janeiro) e um plano C (medidas executivas da sua administração, de aplicação imediata).

domingo, 30 de dezembro de 2012

Histórias da Casa Branca: o abismo mora ao lado

TEXTO PUBLICADO NO SITE DA TVI24.PT, A 29 DE DEZEMBRO DE 2012:

A América tem vivido demasiadas vezes a um passo da vertigem. Mas nunca terá estado tão perto, como agora, de cair, literalmente, no abismo.

Que o sistema político em Washington estava doente, isso já se tinha percebido nos últimos anos, perante um clima malsão de paralisia e cinismo em DC, nos constantes bloqueios dos republicanos perante a agenda eleitoralmente legitimada em 2008 e prorrogada em novembro passado, pelo Presidente Obama.

Mas o risco real de os EUA caírem na «Fiscal Cliff», cada vez mais presente quando estamos a apenas três dias do «deadline» dá conta da disfunção crónica de um sistema que foi construído para se autoproteger, mas que não era suposto ser condenado à impotência de resolver os seus problemas mais básicos.

O fantasma do «precipício orçamental», tão falado nas últimas semanas, pode explicar-se pela conjugação de três «cisnes negros» que aparecem na mesma data, no mesmo dia: um brutal aumento de impostos, um enorme corte na despesa pública e o atingir do limite do teto da dívida americana permitida pelo Congresso.

Cada um destes três problemas é assustador. Os três juntos formam uma «tempestade perfeita» que poderão afundar a Economia americana a valores próximos de começos de 2009. 

Quer isto dizer que, a menos que haja um acordo bipartidário sólido em Washington, os Estados Unidos correm o risco de recuarem ao ponto do início da crise, depois de quatro anos de recuperação dolorosa e lenta, demasiado lenta.

Apesar de tanta conturbação, a verdade é que os EUA levam 40 meses de criação de emprego. Dos nove milhões de empregos tragicamente perdidos entre finais de 2007 e meados de 2009, já foram recuperados perto de seis milhões. 

E dos biliões de dólares «engolidos» pela crise financeira, os EUA foram recuperando lentamente, com um crescimento do PIB na ordem dos 2/2.5% (relativamente baixo, mas bem melhor que crescimento negativo que vamos vivendo na Europa).

Esta tendência, que terá ajudado à reeleição de Barack Obama há um mês e três semanas, está exposta a todos os riscos, se Casa Branca e Congresso não chegarem a um «last minute deal» até ao bater da meia-noite na passagem do Ano. 

O relógio está a contar. Barack Obama convenceu os americanos a darem-lhe uma segunda oportunidade, apesar de no primeiro mandato a promessa da «reconciliação» ter falhado.

O Partido Republicano tem sido o partido do «não» e, a avaliar pelos últimos sinais, vai continuar a ser. Toda a negociação sobre a Fiscal Cliff tem sido trágica para o clima de união do GOP.

Charles Krauthammer, comentador conservador, não faz a coisa por menos: «Há um risco de guerra civil no Partido Republicano». 

John Boehner, speaker do congresso, congressista do Ohio, chegou a ter vontade de iniciar um acordo minimamente racional com o Presidente. Afinal de contas, uma «Grand Bargain» só será consumada perante cedências dos dois campos políticos. 

Depois de uma primeira cedência de Obama (que aceitou subir a fasquia de 250 para 400 mil dólares/ano, em relação a que contribuintes americanos passariam a sofrer aumentos de impostos), Boehner admitiu retirar a imposição de não aceitar qualquer tipo de aumento de impostos e lançou para a mesa a hipótese de taxar quem ganha mais de um milhão de dólares/ano.

Perante este início de «leilão», o Tea Party cortou as vazas a Boehner e aos republicanos do Congresso que pretendiam negociar.

Nem o regresso antecipado de férias do Presidente e dos congressistas deverá ser suficiente para garantir um grande acordo a tão pouco tempo do «deadline». Como Obama ontem desabafou: «Não podemos continuar sujeitos a salvar-nos em acordos de última hora».

sábado, 29 de dezembro de 2012

Bill Schneider: «O medo do Tea Party fez renascer a coligação que elegeu Obama»

Bill Schneider é considerado pelos seus pares o «Aristóteles da análise política na América». Conhecido comentador da CNN, é também analista na Al Jazeera English, no Politico e na Reuters.com. 

Professor de Assuntos Internacionais na George Mason University, é também Distinguished Senior Fellow and Resident Scholar na Third Way, em Washington DC. 

O Washington Times elegeu-o o «maior especialista americano em eleições». A Campaigns and Elections Magazine chamou-o «o mais consistente e inteligente analista na televisão». Fez parte da equipa de Política da CNN que venceu um Emmy pela cobertura das «midterms» de 2006 e um Peabody pela cobertura das eleições de 2008.

Autor de vários livros e artigos publicados nas melhores revistas de política internacional, Bill Schneider concedeu uma entrevista exclusiva ao TVI24.pt

Falou sobre a reeleição de Obama, abordou o fantasma da Fiscal Cliff, elogiou a «impressionante máquina eleitoral» que empurrou Obama para um segundo mandato e explicou que o sistema americano «está preparado para montar governos fracos e só funcionar quando acontecem crises».

Que principais razões levaram à reeleição de Barack Obama?
Antes de tudo, o medo. Romney criou nos americanos uma sensação de medo de que o Tea Party pudesse assumir o controlo do país. Isso acabou por religar a coligação que deu a vitória a Obama em 2008, para proteger o legado de Obama. Diria que foi a «Nova América» que deu a reeleição a Obama: afro-americanos, latinos, asiáticos, mulheres trabalhadoras, mulheres solteiras, gays, profissionais diferenciados, pessoas com diplomas universitários, joven s e quem não vai à Igreja. Vinte por cento dos americanos afirmam que não têm religião. Para lá de tudo isto, Obama venceu graças a uma máquina eleitoral muito organizada, muito competente e muito focada nos «social media».

Mitt Romney foi a melhor escolha republicana para evitar o triunfo de Obama?
Curiosamente, acho que sim. Não creio que qualquer outro candidato que se apresentou às primárias pudesse fazer melhor que Romney contra Obama.

Como é que o Partido Republicano poderá resolver o claro problema que tem com as minorias?
Não o resolverá, certamente, sem mudar a sua mensagem anti-governo. Não é apenas um problema de intolerância. É errado reduzir a questão a isso. É também o facto de que a «Nova América» não partilha esse ressentimento anti-governo que define o Partido Republicano hoje em dia. Os republicanos gostam de pensar que os latinos são «votantes Tea Party com problemas de vistos», mas estão errados. A tirada dos «47 por cento» condenou Mitt Romney.

Qual é a sua aposta? Hillary Clinton vai candidatar-se à Presidência dos EUA em 2016? Se não, quem poderá ser o nomeado democrata? Andrew Cuomo, Julian Castro, Joe Biden?
A minha aposta é que Hillary vai concorrer. Os democratas, incluindo o seu marido Bill, vão pressioná-la a avançar, de modo a salvar o partido e proteger os legados de Clinton e Obama. Se ela não avançar, Andrew Cuomo é a hipótese mais forte. Joe Biden pode concocrrer, mas apenas terá hipóteses se o Presidente Obama terminar o seu segundo mandato com uma taxa de aprovação elevada, como Ronald Reagan tinha em 1988.

Marco Rubio é uma boa aposta republicana em 2016? Que outros candidatos podemos esperar do GOP? Jeb Bush, Paul Ryan, algum outro?
Sim, esses são os três maiores. Talvez também Ted Cruz (nota: senador republicano do Texas, de ascendência cubana) e Chris Christie. Mas o mais provável é vermos uma corrida animada entre Rubio e Ryan. Será difícil que outro Bush venha a ser eleito.

Bill Schneider: «O sistema americano só funciona com grandes crises»

Bill Schneider é considerado pelos seus pares o «Aristóteles da análise política na América». Conhecido comentador da CNN, é também analista na Al Jazeera English, no Politico.com e na Reuters.com. 

O Washington Times elegeu-o o «maior especialista americano em eleições». A Campaigns and Elections Magazine chamou-o «o mais consistente e inteligente analista na televisão». Fez parte da equipa de Política da CNN que venceu um Emmy pela cobertura das «midterms» de 2006 e um Peabody pela cobertura das eleições de 2008.

Aqui fica a segunda parte da entrevista que o comentador da CNN concedeu ao TVI24.pt:
Pode Barack Obama resolver, finalmente, o clima de impasse e paralisação política no Capitólio, que ameaçou boicotar o seu primeiro mandato?
A única forma de ultrapassar esse problema será com uma crise, uma rutura, um acontecimento maior. Não creio que a tragédia na escola do Connecticut tenha criado uma crise suficientemente grande para produzir medidas sérias de controlo de armas. Os republicanos podem até apoiar algum tipo de reforma de imigração, porque perceberam os custos eleitorais de alienarem minorias. Mas a reforma da imigração pode espartilhar o Partido Republicano. A «Fiscal Cliff» é uma crise artificialmente criada pelo Congresso. Os eleitores não a olham muito a sério até agora porque não percebem o que está a acontecer. Mas quando virem os mercados a «crasharem», os seus impostos a subir, importantes programas governamentais a serem suprimido, incluindo na Defesa e a iminência de uma recessão, então aí uma crise séria surgirá e o Congresso será forçado a agir. 

A Fiscal Cliff é o maior exemplo de que o ambiente em Washington está doente?
A Fiscal Cliff, o «gun control», a reforma da imigração... Os americanos acreditam que a política é a grande inimiga da resolução de problemas. E estão corretos.

Qual é a maior qualidade política de Barack Obama? E a maior fragilidade?
A maior qualidade é, claramente, a sua retórica inspiradora. O maior problema será a sua fraqueza na componente legislativa. Ele não é um «wheeler-dealer». Vejam o filme «Lincoln» e percebem o que quero dizer. 

Depois das eleições de novembro, o jogo político em Washington manteve-se basicamente na mesma: Obama na Casa Branca, republicanos a controlarem a parte legislativa do Congresso. Será que o sistema político americano tem um problema crónico de disfunção?
Sim, mas o próprio sistema foi construído nesses pressupostos. Temos um sistema constitucional que é suposto criar um governo fraco. E cria! Há apenas três formas de fazer o sistema funcionar: 1) compromisso. A negociação, os acordos, é por aí que as coisas se têm feito desde há 225 anos. O problema é que pessoas a mais ¿ sobretudo republicanas ¿ veem o compromisso como uma venda, uma capitulação. Sem compromisso, o sistema não funciona. 2) Impasse. Quando temos um impasse, nada é resolvido a menos que surja uma crise. O que define uma crise é um enorme sentimento de urgência pública. O nosso sistema raramente funciona sem uma crise. Mas numa crise real, numa grande crise, ele funciona muito bem. 3) Governo de um só partido. É assim que o sistema parlamentar funciona. Um partido é eleito e governo. Tivemos isso durante dois anos com Clinton (1993/94), dois anos com Obama (2009/10) e quatro anos com Bush (2002/2006). E os eleitores não gostaram e atiraram esses sistema fora. Os membros do Congresso são politicamente independentes. Representam-se a si próprios e aos seus eleitores. Não são soldados de um partido armado. 

Que político da História americana mais admira? 
Ronald Reagan e Bill Clinton. Porque sabiam como usar o poder que tinham.

quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Histórias da Casa Branca: o ano de todos os perigos

TEXTO PUBLICADO NO SITE TVI24.PT, A 26 DE DEZEMBRO DE 2012:

Barack Obama tem motivos para festejar ou para se preocupar, neste período de festas?

A resposta não é imediata. Se nos lembrarmos que há cerca de um ano era relativamente arriscado apostar na reeleição do Presidente em novembro de 2012, então será razoável considerar que os resultados das presidenciais de há mês e meio foram francamente positivos para Obama.

Outra notícia que terá deixado Barack muito animado foi a recente escolha da TIME que elegeu, tal como há quatro anos, Obama como a Personalidade do Ano, em 2012. 

Depois de um ano tão conturbado em Washington, esta escolha mostra que a capacidade de regeneração política de Barack Obama tem sido menosprezada pelos republicanos e mesmo por alguma imprensa nos EUA e a nível internacional.

A questão é que o sucesso eleitoral do 44.º Presidente dos EUA não é suficiente para lhe garantir boas perspetivas para 2013. 

Um olhar pelos dados essenciais sobre o que se irá passar é tudo menos tranquilizador.

A «Fiscal Cliff» tem atormentado os espíritos em Washington e fora de D.C. Infelizmente, desta vez não estamos a falar de alertas apocalípticos, mas pouco sustentados. 

O precipício orçamental é um risco real que a economia americana corre a partir de janeiro. O calendário mostra muito poucos dias para rasgar em 2012. E a verdade é que não se vislumbra a tal «grand bargain» que possa dar resposta aos piores receios.

O triunfo de Obama nas presidenciais foi convincente naquilo que teve a ver com a eficácia da mensagem política. 

Foi uma vitória a toda a linha sobre Mitt Romney nos «battleground states», com méritos especiais que têm que ser atribuídos a Nate Silver (o génio que acertou em todos os estados), a Harper Reed (especialistas em redes sociais, novos media e comportamentos de segmentos específicos, que ofereceu a Obama uma chave diferente para cada caso concreto) e ao trio mágico David Axelrod/David Plouffe/Jim Messina (que voltou a mostrar-se a mais eficaz máquina eleitoral do Mundo, como Obama reconheceu, com gratidão, no discurso de vitória).

Tudo isto é notável e merece o aplauso de quem, há anos, acompanha o maior fenómeno político do início do século XXI: Barack Obama.

O problema é que mesmo o teste final da reeleição não está a resolver o essencial. Barack Obama não consegue ultrapassar o clima de paralisação política em Washington.

Mesmo com um ligeiro reforço da maioria democrata no Senado, a manutenção da maioria republicana da Câmara dos Representantes pode ser dramática para o segundo mandato de Obama e, em consequência, para a pujança americana nos próximos anos.

Anne-Marie Slaughter, professora de Política e Assuntos Internacionais em Princeton, identifica o perigo, em artigo de hoje no Público: «Quanto mais tempo os EUA estiverem obcecados com a sua própria disfunção política e estagnação económica correspondente, menos capazes serão de envergar o manto da responsabilidade e da liderança globais».

2013 parece ser o ano de todos os perigos: sem acordo em Washington, janeiro começará a mostrar cortes profundos na despesas e aumentos brutais de impostos que ameaçam fazer arrefecer a maior economia do Mundo - e terão como consequência certa a inversão da tendência lenta, mas consistente, de recuperação de criação de emprego nos EUA, que já dura há três anos (e terá levado, em boa parte, à reeleição de Obama).

Barack Obama já venceu, nos últimos seis anos, várias batalhas improváveis. Evitar a Fiscal Cliff e ultrapassar o clima de «political gridlock» em DC pode ser a mais importante de todas.

sábado, 22 de dezembro de 2012

Histórias da Casa Branca: John Kerry, destinado a servir

TEXTO PUBLICADO NO SITE TVI24.PT:

Esteve perto de ser eleito Presidente dos EUA em 2004 (ficou a 130 mil votos de vencer o Ohio e com esse estado bateria George W. Bush no Colégio Eleitoral) e é um dos senadores mais experientes do Capitólio.

John Forbes Kerry, 69 anos, senador sénior do Massachussets desde 1985, líder do Comité de Relações Externas, é o futuro chefe da diplomacia norte-americana.

É uma escolha forte e dificilmente Barack Obama teria encontrado um nome mais consensual em Washington para exercer o importante cargo de Secretário de Estado. 

Tudo indica, aliás, que a nomeação de Kerry (apoiante de Obama desde as primárias de 2008) venha a ser confirmada pelo Senado por unanimidade, sem qualquer voto contra dos republicanos, coisa notável nestes tempos de crispação partidária em DC. 

Veterano do Vietname, foi herói de guerra e tem exemplos de bravura que foram particularmente explorados na campanha de 2004 pela máquina de propaganda democrata.

Filho de um antigo diplomata e militar, casado com uma das mulheres mais ricas da América (a luso-descendente Teresa Simões-Ferreira Heinz), John Kerry exibe o currículo perfeito para assumir aquele que muitos consideram o posto mais influente da política americana, logo a seguir ao de Presidente - bem mais importante que o de vice-presidente. 

O problema é que esta não foi a primeira opção de Barack Obama. O Presidente dos EUA tinha Susan Rice, a ainda embaixadora americana na ONU, como primeira escolha - e chegou e defendê-la em público.

Só que Rice foi a grande vítima política do «Bengasigate». 

Os estilhaços políticos e diplomáticos dos atentados contra interesses americanos na Líbia no 11.º aniversário do 11 de setembro (e que se propagaram a outros países muçulmanos nos dias seguintes) ainda estão a ser avaliados por uma comissão independente, nomeada pelo Congresso.

Uma das mais próximas conselheiras do Presidente em política externa, Susan Rice veio a público defender a versão da Administração Obama de que os incidentes seriam «uma reação a um vídeo anti-Islão de péssimo gosto que nada tem a ver com as ideias desta administração».

Tudo se complicou quando, nas semanas seguintes, se provou que esta posição da Administração Obama estava errada - e o próprio Presidente acabou por corrigir o discurso, mudando a versão oficial para «atentado». 

Susan Rice não aguentou as fortíssimas pressões dos republicanos, que puseram em causa a capacidade política da embaixadora para vir a liderar o Departamento de Estado.

As falhas na avaliação do risco já foram reconhecidas pela ainda Secretária de Estado, Hillary Clinton, que apesar de não ter comparecido nas audições da comissão, por se encontrar a recuperar de doença no estômago e duma queda que lhe causou um traumatismo cerebral, admitiu, por carta, os erros apontados ao gabinete que lidera.

John Kerry herda, assim, um Departamento de Estado em fase de conturbação. O caso Bengasi provocou demissões em lugares de topo na equipa de segurança e política externa e Tom Donilon, Conselheiro de Segurança Nacional, é um dos que está de saída. 

Obama estará a ponderar compensar a não nomeação de Susan Rice para chefe da diplomacia com uma possível escolha da embaixadora para suceder a Tom Donilon. 

A nomeação de Kerry para o muito agradável bairro de Foggy Bottom levanta um outro problema aos democratas: quem será capaz de suceder ao futuro Secretário de Estado no Senado pelo Massachussets?

John Kerry pode não ter sido a primeira escolha de Barack Obama. Mas o Presidente sabe que terá no Departamento de Estado um amigo pessoal e um político destinado a servir.

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Histórias da Casa Branca: arquiteto de uma «nova América»

TEXTO PUBLICADO NO SITE TVI24.PT, A 19 DE DEZEMBRO DE 2012:


A revista «Time» nomeou Barack Obama «personalidade do ano». A revista norta-americana apontou o Presidente dos EUA como «arquiteto da nova América», justificando esta distinção com o facto de Obama ter conseguido «reforçar, com a reeleição, a ideia de ser «a pessoa indicada para redesenhar uma América em mudança».

«Numa era de perda generalizada de autoridade, Barack Obama conseguiu manter a sua», observa Michael Sherer, no longo artigo de argumentação sobre esta escolha.

Sherer lembra o caminho improvável de Obama, desde os tempos de juventude idealista até a reeleição em 2012: «Vinte e sete dias depois de ter conduzido de Nova Iorque para Chicago, num Honda Civic de dois mil dólares, a fim de concorrer a um emprego que não lhe prometeria um salário aliciante, Barack Obama, em melhor forma física mas com muito mais cabelos brancos, apareceu na suíte presidencial no piso do topo to Fairmont Millenium Park hotel, enquanto os ecrãs anunciavam que tinha sido reeleito Presidente dos Estados Unidos. As cadeias televisivas concederam-lhe o Ohio mais cedo que o previsto e, por isso, os seus assessores juntaram-se a familiares e amigos, onde encontraram uma sala repleta de 'high fives' e apertos de mãos, abraços e expressões de alívio».

O artigo da «Time» destaca a capacidade que Obama teve, em ano de reeleição, em reunir apoio esmagadora da «nova América». «Obama revela uma capacidade única para atrair a nova demografia. Quando o seu nome está nos boletins de voto, a «next America» ¿ mais nova e mais diversa ¿ corre para os locais de votação. Em 2008, os negros votaram em mesma percentagem que os brancos, pela primeira vez ma história, e os latinos bateram recordes de afluência. Tudo indica que ambos os grupos repetiram esse comportamento em 2012, mesmo em estados que não eram eleitoralmente competitivos, onde Obama não tinha uma organização tão forte. Quando as minorias votam, isto significa que os jovens votam em grande número, porque a «next America» será mais diversa e mais jovem. E quanto tudo isto acontece, Obama vence. Ele obteve, na eleição de 2012, 71% dos latinos, 93% dos negros, 73% dos asiáticos e 60% dos votantes com menos de 30 anos.»

Como é que isto é possível? David Simas, antigo conselheiro sénior da Casa Branca e um dos principais assessores da campanha de reeleição, explica numa frase: «Sinto que as pessoas confiam nele».

A chave da reeleição terá estado num sentimento maioritário dos americanos de que «Obama terá herdado a situação mais difícil dos últimos 50 anos e, apesar de todas as frustrações e problemas, parecia justo dar a este tipo uma segunda oportunidade».

A «Time» recorda que «há dois anos, muito poucos analistas arriscariam adivinhar que, por esta altura, Barack Obama estivesse envolvido na preparação do discurso de posse da sua segunda inauguração como Presidente» e sentencia: «A eleição não foi um referendo, foi uma escolha. E Obama provou ser melhor opção do que Mitt Romney, que em muitas medidas mostrou ser um candidato imperfeito. 

Em contraponto com Ronald Reagan, que assumiu um mantra «o peso do governo é o problema», ou de Bill Clinton, que proclamou o fim da «era do grande governo, Barack Obama não vê o seu legado com uma marca ideológica: «Ele apenas diz que pretende um governo mais inteligente», nota a Michael Sherer na «Time», para acrescentar: «Obama pretende chegar a janeiro de 2017, no final do segundo mandato, com as fundações criadas para uma maior base de prosperidade na América e que, no plano internacional, os EUA consigam manter-se liderantes no Mundo do século XXI».

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Histórias da Casa Branca: América em carne viva

TEXTO PUBLICADO NO SITE TVI24.PT, A 17 DE DEZEMBRO DE 2012:

SEGUNDA EMENDA DA CONSTITUIÇÃO DOS EUA

«Sendo necessária à segurança de um Estado livre a existência de uma milícia bem organizada, o direito do povo de possuir e usar armas não poderá ser impedido.»

O título dá nome a um dos melhores livros sobre os EUA, escrito pelo jornalista João Alves da Costa. A obra tem já três décadas, mas ainda está actual na representação das contradições, excessos, pecados e virtudes daquele grande país. 

Casos como o de Newtown, Connecticut, colocam a América em carne viva. 

Mesmo para quem gosta de sublinhar o lado mais positivo dos Estados Unidos, acontecimentos como o de Newtown, Connecticut, são a prova de que os EUA serão o melhor exemplo de que há sempre um lado negro num poço de virtudes.

Entre vários demónios que atormentam a América, a questão da posse de armas será um dos mais significativos. E assustadores.

O último ano e meio recordou-nos de forma dramática essa realidade. Primeiro, o horrendo atentado que desfigurou e quase matou a congressista democrata Gabi Giffords, do Arizona. Mais tarde, o tiroteio num cinema em Aurora, Colorado. Depois, o massacre num templo sikh do Wisconsin, por um alucinado que, aparentemente, queria atacar muçulmanos e não sabia a diferença.

A chacina do Connecticut foi perpetrada por um jovem de 20 anos cuja mãe (primeira das 28 vítimas mortais do massacre) tinha em casa três armas legalmente obtidas.

O «gun control» é um dos temas mais divisivos na América.

A Direita acredita cegamente que a Segunda Emenda da Constituição americana (que garante o direito à posse de armas como legítima defesa dos cidadãos) é para levar à letra.

E quando acontecem tragédias como a de Newtown, que mostram claramente os perigos na facilidade do acesso às armas, como reagem os defensores cegos da Segunda Emenda?

Mike Huckabee, antigo pastor batista, segundo classificado nas primárias do Partido Republicano em 2008, um dos líderes da Direita religiosa, comentou assim na FOX: «As leis não evitam tragédias destas, a fé é que evita. Deus tem sido uma palavra ausente nas escolas americanas. Um caso como este despedaça-me o coração, mas não me surpreende».

Ainda mais dura é a posição do congressista republicano Louie Gohmert, do Texas: «Estes crimes em massa obrigam as pessoas a andar armadas. Os criminosos escolhem pessoas indefesas, por isso é que vão às escolas. Se a directora da escola, Dawn Hochsprung, tivesse uma arma, se calhar tudo tinha sido diferente e esta tragédia poderia ter sido evitada».

Visões como esta não são consensuais no conservadorismo americano. Há setores republicanos que defendem uma reflexão profunda sobre este tema - e admitem abrir espaço a algum tipo de legislação. O problema é que o discurso dominante na maioria republicana do Congresso aponta para as visões, um pouco bizarras, de Huckabee e Gohmert.

O Presidente Obama teve duas intervenções significativas desde a tragédia do Connecticut. Na sexta-feira, apelou ao lado emocional do momento e teve alturas em que precisou de parar o discurso para não chorar. 

Ontem, em Newtown, reforçou a necessidade da América se unir nestes momentos, sublinhou a urgência de se debaterem estes temas e lançou: «Isto não pode voltar a a acontecer». 

Será fácil perceber a razão das palavras do Presidente. A questão é que Obama tem alguma culpa do «gun control» ainda não te surgido a sério no topo da agenda política, nos últimos anos.

Na última campanha, Obama não se quis meter com National Riffle Association (uma das organizações mais poderosas da América), provavelmente com medo de não conseguir ganhar estados como o Ohio, a Pensilvânia ou o Colorado.

Uma vez reeleito, e já sem o crivo das eleições, está na hora de Obama avançar com legislação rigorosa sobre controlo na posse e acesso às armas.

Histórias da Casa Branca: A batalha perdida por Susan Rice

TEXTO PUBLICADO NO SITE TVI24.PT, A 14 DE DEZEMBRO DE 2012:

«A primeira batalha política em Washington após as eleições de 6 de novembro foi perdida por Barack Obama e ganha pelos republicanos no Congresso.

Susan Rice, embaixadora dos EUA nas Nações Unidas, era a escolha de Barack Obama para suceder a Hillary Clinton no Departamento de Estado.

Só que Rice, que há muito é uma das principais conselheiras de Obama em política externa, desistiu de se sujeitar ao processo de nomeação como secretária de Estado (que tem que passar pelo crivo do Congresso) e já anunciou publicamente que «se sentiria muito honrada de servir o país num posto tão relevante como o de Secretária de Estado», mas que não irá avançar para esse processo.

Esta decisão constitui uma clara derrota para o Presidente. Logo depois da reeleição, e com o anúncio de Hillary de que não teria intenção de fazer um segundo mandato à frente da diplomacia americana, Obama deixou a entender que tinha Susan Rice como primeira opção.

Nem a feroz oposição republicana a essa ideia fez demover o Presidente, que sempre defendeu publicamente essa escolha, apesar de Rice estar, desde os acontecimentos em Bengasi, na Líbia, na linha do fogo republicano, por ter aparecido a defender a primeira versão da Administração Obama de que os ataques teriam sido uma «reação a um vídeo anti-Islão de péssimo gosto».

Barack Obama sai mal de toda esta história. Dan Rather não foi simpático na análise que fez sobre o comportamento do Presidente: «Obama fez muita conversa dura sobre este tema, mas no final do dia ficou a imagem de que não oferece grande luta aos republicanos».

Susan Rice é uma académica e uma especialista em política externa - e não se terá disposto a passar por uma processo político inquinado desde o início e que iria ser, certamente, muito desgastante para a sua imagem pública. 

As mulheres democratas, tão importantes na reeleição de Obama, não esconderam, nas últimas horas, a desilusão com o facto de uma pessoa com o perfil de Susan Rice não venha a ser a sucessora de Hillary.

Os ataques de influentes senadores republicanos como John McCain ou Lindsay Graham fizeram antecipar o pior em relação ao que poderia acontecer no processo de nomeação de Susan Rice. Basta recordar que, há quatro anos, a nomeação de Hillary foi confirmada sem um único voto contra.

Mesmo assim, Harry Reid, líder da maioria democrata no Capitólio, mostrou-se convicto de que «os democratas acabariam por conseguir que o nome de Susan Rice fosse aprovado». 

Reid lamentou «profundamente» o recuo de Rice e admitiu que não se tratou de um bom augúrio em relação ao ambiente que, nos próximos tempos, se viverá entre democratas e republicanos.

Chuck Todd foi mais longe e sentenciou: «Susan Rice foi vítima dos media conservadores».

Pode parecer uma frase excessiva, mas não é. O tom incendiário com que a FOX News alardeou a questão Bengasi nos dias que antecederam as eleições de 6 de novembro deveria merecer a reflexão do sistema político e mediático norte-americano.

Certo, certo é que Susan Rice não será a sucessora de Hillary Clinton no Departamento de Estado. 

É possível que Obama acabe por nomear a ainda embaixadora dos EUA na ONU como Conselheira de Segurança Nacional (Tom Donillon está de saída do cargo). E John Kerry passa a ser a alternativa mais válida para chefe da diplomacia.

É um nome forte, até esteve perto de ser Presidente em 2004 - mas já não se livra de ser a segunda escolha para um cargo tão importante como o de Secretário de Estado.»

sábado, 15 de dezembro de 2012

Histórias da Casa Branca: a questão democrata para 2016

TEXTO PUBLICADO NO SITE TVI24.PT, A 10 DE DEZEMBRO DE 2012:

«Sondagem feita, há dias, pela Langer Research Associates para o Washington Post e para a ABC confirma a perceção que todos os que seguem com a mínima atenção a política americana já tinham: Hillary Clinton é uma candidata imbatível para suceder a Barack Obama, em 2016.

Numa América politicamente dividida entre democratas e republicanos, tudo o que sejam valores acima dos 52/53 por cento são muito bons. 

Ora, a ainda chefe da diplomacia americana obteve 57 por cento das preferências dos eleitores, de acordo com esse estudo.

Estes dados poderiam quase obrigar Hillary a preparar uma candidatura presidencial que, a acreditar nestes números, prometem ser um passeio de quatro anos até à consagração em novembro de 2016, com a porta da Casa Branca já entreaberta.

Mas pode não ser bem assim. Por um lado, ainda não é claro que a esposa do 42.º Presidente dos EUA tenha vontade de embarcar numa segunda candidatura presidencial, depois da tremenda desilusão que apanhou nas primárias de 2008.

É preciso lembrar que uma corrida presidencial nos EUA é uma autêntica loucura. São dois anos a reunir apoios, somar viagens, dar milhares de apertos de mão e beijinhos, angariar dinheiro. Dorme-se pouco. É cansativo. É preciso ter um motivo muito forte para se avançar com tão longa, cara e arriscada empreitada.

Em 2008, Hillary passou de superfavorita a candidata-apanhada-de-surpresa-com-a-Obamania. A questão resolveu-se de forma magistral entre os dois (a paz entre Obama e os Clinton é um dos segredos mais bem guardados da alta política americana).

Hillary aceitou o cargo prestigiado de Secretária de Estado. Mas a verdade é que o Departamento de Estado é uma realidade à parte numa administração americana. Está-se fora do combate político interno e a própria estrutura física do State Department é externa à Casa Branca. 

Os números da sondagem ABC/WP provam duas coisas: que Hillary foi uma chefe de diplomacia bem-sucedida e com competência reconhecida pela opinião pública. E mostram, também, que a mulher que foi Primeira Dama dos EUA entre 1993 e 2001 será, por estes dias, o político mais popular na América (bem mais do que Barack Obama, que foi reeleito, sim, mas com 51 e não com 57 por cento...) 

Se Hillary decidir avançar (algo que só saberemos dentro de ano e meio/dois anos), pelo menos as primárias democratas ficam arrumadas -- a eleição geral será outra conversa, porque depois de oito anos de presidência democrata, o nomeado republicano, seja ele quem for, terá sempre boas hipóteses de disputar a vitória.

Só que um cenário (não tão improvável quanto isso) de não candidatura de Hillary abre um enorme problema ao Partido Democrata.

Um olhar pelos ativos dos democratas, por estes dias, faz-nos perceber que os dois sucessos eleitorais de Barack Obama tiveram um certo efeito de¿ eucalipto no partido do burro.

Entusiasmados com as novas possibilidades eleitorais oferecidas pelo fenómeno Obama, os democratas não mostraram grande capacidade de renovação ao nível das lideranças.

Hillary é, obviamente, um caso diferente, porque tem um percurso próprio e muito anterior ao de Obama.

Mas à parte o supertandem Barack/Hillary, o que tem o Partido Democrata? 

Uma promessa para futuros ciclos eleitorais, apelativa ao eleitorado latino, mas ainda com tudo a provar num plano nacional (Julián Castro, mayor de San Antonio, Texas, de 37 anos); uma velha raposa do Senado e número dois de Obama, já com 73 anos em 2016 (Joe Biden); um governador bem parecido e de visão pragmática, mas muito Costa Leste (Martin O¿Malley, do Maryland).

Parece pouco, para a concorrência que pode estar a preparar-se do lado republicano.»

sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Histórias da Casa Branca: «Hero» ou... «Zero»?

TEXTO PUBLICADO NO SITE TVI24.PT

O «gangman style», vídeo de um cantor pop sul-coreano chamado Psy que satiriza o estilo de vida fútil de um bairro chique de Seul, foi o maior sucesso da história do YouTube.

De tal modo assim foi que a coisa inspirou sucedâneos bem-humorados, feitos em todo o Mundo, incluindo em Portugal (a versão lusa mais visionada tem o título preocupante de «gamar com style»).

Mas a variação mais popular do «gangman style» foi o «Obama style».

O vídeo, feito ainda na campanha eleitoral que opôs o atual Presidente ao então candidato republicano Mitt Romney, apanha, com piada, o estilo cool de Barack, que já há alguns anos tem a alcunha nos meios políticos de Washington de... «No Drama Obama».

Os problemas gigantescos que o 44.º Presidente dos Estados Unidos da América herdou na eleição de 2008 (e só totalmente percecionados pela equipa que rodeia Obama em janeiro de 2009, nos dias que antecederam a tomada de posse) impediram, em diversos períodos do primeiro mandato, que Barack adotasse o seu registo preferido.

A forma clara como Obama conseguiu ser reeleito (bem mais clara do que a maior parte dos analista previu) parecia ter ajudado o Presidente a encarar o segundo mandato com menor grau de exigência.

Mas uma rápida antevisão dos desafios que Obama tem pela frente, nos próximos quatro anos, retira quaisquer tipo de ilusões em relação a essa ideia.

O maior de todos, já se sabe, tem neste momento uma bomba-relógio perigosamente a aproximar-se do botão vermelho: Obama tem exatamente 17 dias para evitar que os EUA se despenhem num «penhasco fiscal» assustadoramente ameaçador para a Economia americana.

Com o Natal pelo meio, quer isto dizer que o Presidente está a duas semanas de enfrentar um teste do qual, simplesmente, não pode dar-se ao luxo de sair reprovado.

Mas os próximos tempos esperam mais adversidades. A crise europeia tem posto à prova a solidez do dólar, mas não é certo que a recuperação iniciada pela Economia americana há cerca de dois anos continue a resistir à 'débacle' que se anuncia deste lado do Atlântico.

Uma das passagens mais divertidas da letra do «Obama style» pergunta: «Is a hero or is he zero?»

A dimensão messiânica que Obama conseguiu atingir nas eleições de 2008 fez com que muitos achassem que tinha aparecido um herói.

Os anos tremendamente difíceis de governação trataram de esbater a ilusão mágica que se criou em torno da figura de Barack.

Mas a verdade é que os sucessos obtidos pelo Presidente no primeiro mandato foram suficientes para garantir a reeleição - mesmo num tempo em que a tendência nas democracias ocidentais é para que quem esteja no poder perca as eleições.

O teste de 2012 mostrou que, quatro anos depois do endeusamento, Obama não é um herói, mas também não será... um zero.

Os americanos deram uma segunda oportunidade ao Presidente, muito devido ao que Obama reforçou no excelente discurso de vitória, na noite de 6 de novembro, em Chicago: ao contrário do que os republicanos disseram nos últimos anos, uma clara maioria sente que «os americanos estão nisto juntos. Vencem ou afundam-se juntos, como um país unido».

No final do segundo mandato, em janeiro de 2017, para que lado da balança penderá a agulha que mede a capacidade do 44.º Presidente dos Estados Unidos da América?»

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Histórias da Casa Branca: adeus e... até já, Hillary?

TEXTO PUBLICADO NO SITE TVI24.PT, A 4 DE DEZEMBRO:

O «armistício» entre Barack Obama e os Clinton é uma das histórias mais bem guardadas da política americana.

Nas primárias de 2008, o duelo entre o primeiro negro e a primeira mulher a disputar, com hipóteses reais, a Casa Branca tinha tudo para dar para o torto.

Obama acabou por bater Hillary na reta da meta, mas ambos somaram mais de 18 milhões de votos cada um ¿ e algo de novo tinha acabado de acontecer.

Fosse Barack ou Hillary o nomeado, havia a clara perceção (e era correta) de que quem vencesse aquelas primárias democratas seria o 44.º Presidente dos Estados Unidos ¿ tão desacreditados estavam os republicanos no declínio da era Bush.

Apesar da disputa ter chegado a azedar (sobretudo antes das primárias na Pensilvânia e no Ohio, que Hillary venceu à custa de anúncios a apelar ao medo e de uma desvalorização das credenciais de Barack em política externa), a verdade é que o comportamento de Hillary, no apoio a Obama na eleição geral contra John McCain, foi exemplar.

De tal modo assim foi que, após a eleição de 2008, Obama não hesitou em escolher a rival das primárias para chefiar a diplomacia americana no seu primeiro mandato.

O gesto foi entendido, na altura, como uma primeira grande demonstração da tendência do Presidente americano para o compromisso com os adversários ¿ sejam eles do seu próprio partido ou do outro lado da barricada.

Bill Clinton (que nas primárias de 2008 chegou a ser deselegante para com Obama, ao desdenhar o triunfo de Barack sobre Hillary na Carolina do Sul por mais de 30 pontos, atirando-o para um nicho racial, num estado com grande percentagem de negros) foi outro caso de inesperada conversão aos talentos presidenciais de Obama.

O 42.º Presidente dos Estados Unidos foi o maior trunfo eleitoral de Barack Obama para a reeleição ¿ com aquele brilhante discurso na Convenção de Charlotte (claro na forma, esclarecedor no conteúdo) como momento mais alto.

Clinton confessou, até, durante esta recente campanha, que estava «bem mais entusiasmado com a possibilidade de Obama ganhar as eleições agora, em 2012, do que estava em 2008».

Além de uma sincera leitura dos méritos de Obama nos últimos quatro anos, perante a paralisação republicana no Congresso, a explicação pode estar, também, num mero cálculo político com interesses familiares: é que a reeleição de Obama pode ter sido o primeiro empurrão para um triunfo presidencial de Hillary Clinton em 2016.

Se fosse Romney a vencer em 2012, o ciclo lógico apontaria para uma reeleição do republicano em 2016. Com o segundo mandato de Obama, a próxima eleição para a Casa Branca será aberta nos dois campos partidários.

E, do lado democrata, todas as sondagens são claras: não há rival à altura de Hillary Clinton.

A questão está mesmo em saber se a ainda Secretária de Estado pretende avançar para uma segunda tentativa presidencial. Apoios não lhe faltam ¿ mas Hillary já mostrou ser uma política calculista e sabe que há algum risco de o nomeado democrata não vencer a próxima eleição (pela lógica da alternância após oito anos de presidente democrata e pelas grandes dificuldades que os próximos anos deverão proporcionar ao Presidente Obama).

Como chefe da diplomacia, Hillary soube ser, ao mesmo tempo, fiel à agenda do Presidente e, quase sempre, mais popular que o próprio Obama.

A sua vontade de não cumprir segundo mandato no Departamento de Estado é natural: Hillary seguirá a tradição de Warren Christopher (primeiro mandato de Bill Clinton) ou de Colin Powell (primeiro mandato de George W. Bush).

Mas, com as primárias democratas a arrancar no terreno daqui a ano e meio, esta saída significará para Hillary Clinton um adeus ou apenas um... até já?

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Histórias da Casa Branca: Quanto vale Susan Rice?

TEXTO PUBLICADO NO SITE TVI24.PT, A 30 DE NOVEMBRO DE 2012:


É tradição, na política americana, que as administrações mudem boa parte da sua composição, do primeiro para o segundo mandato de cada Presidente.

Aconteceu com Reagan, com Clinton, com Bush filho - e voltará a acontecer com Obama.

Três semanas depois da reeleição, e quase dois meses da tomada de posse, é já certo que a segunda Administração Obama sofrerá alterações de relevo.

Entre os quatro postos politicamente mais influentes (Diplomacia, Defesa, Tesouro e Justiça), só Eric Holder está confirmado para segundo mandato como «attorney general».

Na Defesa, Leon Panetta (que substituiu Robert Gates a meio do primeiro mandato de Obama, vindo da CIA) está de saída.

Apontam-se três pesos pesados de Washington para uma sucessão difícil, atendendo aos cortes profundos que o Pentágono está a preparar.

A hipótese mais forte é John Kerry, senador pelo Massachussets, nomeado presidencial em 2004 e um dos membros do Capitólio com maiores credenciais em política externa. Kerry é forte apoiante de Obama e na campanha de 2012 desempenhou o papel de Romney, na preparação para os debates.

Jack Lew, atual ¿chief of staff¿ da Casa Branca, é outro nome falado. Mas Obama pode vir a escolher para o Pentágono uma velha amizade: Dick Lugar, republicano moderado, que tem o respeito dos democratas por nunca ter alinhado na deriva direitista do GOP dos últimos anos.

Um dos senadores mais experientes do Capitólio, Lugar foi dos primeiros a apostar em Obama, apesar de ser do partido rival: quando o então jovem Barack chegou ao Senado, em janeiro de 2005, teve a oportunidade de trabalhar com o ¿decano¿ senador republicano numa proposta bipartidária de desarmamento nuclear.

Dick está de saída de Washington, depois de não ter conseguido, sequer, a nomeação republicana para concorrer pelo Indiana (perdeu as primárias para Todd Akin, o tal que disse que as mulheres tinham «formas naturais de abortar depois de uma violação).

Se Obama optar por Lugar para secretário da Defesa, dá fortíssimo sinal aos dois campos políticos de que pretende chegar a plataforma bipartidária, depois do grave impasse político do primeiro mandato.

Nas finanças, Tim Geithner manter-se-á até à tomada de posse, mas já informou o Presidente que não está disponível para segundo mandato. Larry Fink (CEO da BlackRock) e Roger Altman (presidente da Evercore Partners) seriam duas escolhas para agradar a Wall Street, mas corre em Washington a tese de que Obama tem excelente oportunidade para dar um «toque feminino» às contas públicas americanas.

E há boas opções se for uma mulher a mandar no Tesouro: Christina Rohmer (a principal conselheira económica da primeira Administração Obama), Laura D¿Andrea Tyson (conselheira na Administração Clinton) ou Janet Yellen (adjunta de Ben Bernanke na Federal Reserve).

Mas a grande questão reside em quem será o próximo chefe da diplomacia. Depois de Madeleine Albright, Condoleeza Rice e Hillary Clinton (só com Colin Powell pelo meio), é muito provável que continue a ser uma mulher: Obama tem como primeira escolha para o Departamento de Estado a atual embaixadora americana na ONU, Susan Rice.

A confirmar-se, é uma mudança natural: Bill Clinton fez exatamente o mesmo tipo de escolha após a reeleição, ao convidar a então embaixadora na ONU Madeleine Albright.

O problema é que Susan Rice tem anticorpos no Partido Republicano, depois do «caso Bengasi». O senador John McCain chegou a garantir que fará «tudo para impedir a nomeação de Susan Rice», tendo mesmo tido uma deselegância pouco habitual a este nível, ao dizer que «a embaixadora Rice não é especialmente dotada».

A expressão terá enfurecido o Presidente, que já veio publicamente defender a reputação de Susan Rice, deixando sinais de que irá mesmo nomeá-la para o importante posto de secretária de Estado