sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Histórias da Casa Branca: Na América Cabem Todos



Texto publicado no site de A BOLA, secção Outros Mundos, a 27 de Agosto de 2010:



Polémica no Ground Zero: Na América cabem todos

Por Germano Almeida


«Colin Powell, o general vitorioso da primeira guerra do Golfo, lançou uma frase que marcou a recta final da campanha presidencial de 2008. Apesar de ter servido em administrações republicanas (foi chefe militar na presidência de Bush pai e secretário de Estado no primeiro mandato de Bush filho), Powell declarou, surpreendentemente, o apoio ao democrata Barack Obama.

Conotado com o Partido Republicano, o reputado general chegou mesmo a ser apontado como hipótese presidencial do GOP em 1996 e 2000 – mas nunca quis avançar para uma candidatura à Casa Branca.

Voz moderada (e isolada) no primeiro mandato de George W. Bush, saiu derrotado da peleja com os 'neocons' (Dick Cheney, Paul Wolfowitz, Donald Rumsfeld, escudados pela salomónica Condoleeza Rice, falcão com discurso de pomba), que acabariam por dominar, progressivamente, as manobras do Presidente.

As divergências de Colin Powell com a herança Bush foram tantas que, na hora de escolher o candidato para 2008, o general preferiu a mudança protagonizada por Barack Obama – apesar da «amizade de 25 anos com John McCain».

Muitos viram na opção do general um resquício do tema racial ou, então, uma descarada oferta de Powell para um lugar numa futura Administração Obama. Nada mais disparatado: como o tempo veio a provar, não era isso que estava em causa. Nem a raça foi decisiva, nem o general viria a desempenhar qualquer cargo nesta administração.

Um país numa frase
O que terá levado, verdadeiramente, Powell a preferir Obama foi a capacidade que Barack mostrou, em campanha, de «unir a América», apesar das mais diversas sensibilidades existentes naquele complexo país.

Ora, a tal frase marcante, com a qual Colin Powell sustentou a sua preferência por Obama, foi esta: «Na América cabem todos».

Há um contexto para se perceber esta afirmação do general. Perante o sólido avanço de Obama nas sondagens, o campo republicano começava a desesperar e baixava o nível no tipo de críticas lançadas ao nomeado democrata.

Nos dias que antecederam a grande eleição, valeu quase tudo. Não tanto da parte de John McCain, que foi travando os ataques mais baixos, mas de uma facção da 'entourage' republicana que insistia em teses como as de que Obama seria «muçulmano» e de como isso poderia ser «perigoso para a América».

No momento em que declarou o seu apoio a Obama, Colin Powell pôs o dedo na ferida: «Sei que as principais figuras do Partido Republicano têm corrigido essa mentira em público, esclarecendo que Obama não é muçulmano, mas sim cristão. Só que a resposta certa não é essa: a resposta certa era: Obama não é muçulmano, mas... e se fosse, qual era o problema? Na América cabem todos!».

Cabem mesmo?
A recente polémica em torno da construção de um complexo cultural islâmico, a dois quarteirões do Ground Zero, põe a nu -- e de forma extrema -- esses «mixed feelings» da América, enquanto país singular na forma como trata este tipo de questões.

A diversidade cultural e religiosa está na matriz da América. Limitar essa diversidade seria contraproducente para o «melting pot» americano. Se há marca distintiva do que são os EUA é a mistura, definida de modo sublime por Colin Powell. Mesmo que, por vezes, essa mistura traga consigo alguma perturbação, ela é absolutamente definidora para aquele grande país.

Mas a verdade é que o fantasma do terrorismo islâmico está ainda muito presente, sobretudo na memória dos nova-iorquinos.

Quase uma década depois do 11 de Setembro, será que chegou o tempo de seguir em frente? Barack Obama acha que sim: «Neste país tratamos todos por igual, em conformidade com a lei, sem ter em conta raça ou religião», apontou o Presidente.

Vários líderes republicanos estão contra a construção da mesquita, considerando essa decisão insensata. Até Harry Reid, líder democrata no Senado, tem essa posição, mas está claramente em minoria no seu partido.

Os democratas têm sublinhado a questão da igualdade de tratamento de todas as religiões. Só que Obama, perante o agravar das críticas, fez questão de se distanciar da decisão do município nova-iorquino: «Não comentei e não comentarei nada sobre se acho ou não prudente autorizar uma mesquita nesse local».

Ruído que confunde
O caso não é para menos: de acordo com as pesquisas, cerca de 70 por cento dos norte-americanos estão contra a construção de um complexo de 15 andares, prevista para um local onde existia um antigo edifício de fachada neo-renascentista.

O projecto, financiado pelo investidor Sharif el-Gamal, é da «Iniciativa Cordova», que tem nos seus objectivos a melhoria das relações Islão-Ocidente.

Obama tem insistido na necessidade de não se confundir os «terroristas islâmicos», uma minoria, com os muçulmanos, que «sempre fizeram parte da América». Mas muitos continuam a não conseguir separar as águas – e colocam a posição racional de Obama num lugar estranhamente minoritário.

Recente sondagem aponta para que quase um terço dos eleitores republicanos acreditam que «Obama é muçulmano», vendo nisso uma enorme ameaça. O lixo conspirativo é tão intenso que o reverendo Franklin Graham chegou a dizer que «Obama nasceu muçulmano, pela herança paterna».

Era difícil imaginar maior prova de fogo a essa capacidade americana de absorver a diferença, mesmo quando esta pode estar tão próxima da face do inimigo: construir uma mesquita na Baixa de Manhattan, muito perto do epicentro do terror ocorrido a 11 de Setembro de 2001.

Será que na América ainda cabem mesmo todos?»

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Histórias da Casa Branca: Entrevista a João Luís Dias


Texto publicado no site de A BOLA, secção Outros Mundos, a 19 de Agosto de 2010:

«Taxa de aprovação de Obama não é assim tão preocupante»

Por Germano Almeida


«O «Histórias da Casa Branca» conclui esta semana a série de textos de balanço de ano e meio de Presidência Obama, com uma entrevista a João Luís Dias. Natural do Porto, é licenciado em Ciência Política e Relações Internacionais, pela Universidade Fernando Pessoa, e é o autor do «Máquina Política», um dos poucos blogues portugueses exclusivamente dedicados à política norte-americana.

João Luís Dias, que também assina uma coluna semanal sobre política americana no «Estado a Que Chegámos», aponta o «insucesso no cumprimento da promessa de mudança no modo de fazer política em Washington» como maior falha da Administração Obama até agora. Mas deixa uma nota de optimismo numa fase em que os problemas de popularidade continuam a manchar o ambiente de «Obamania»: «A taxa de aprovação de Obama não é assim tão preocupante.»

- Com ano e meio de Administração Obama cumpridos, que balanço faz do que já foi feito?
-A nível de realizações, penso que a actual administração tem conseguido importantes êxitos, com natural destaque para a histórica aprovação da reforma da saúde e ainda para a melhoria da imagem da América no Mundo. Por outro lado, a maior falha, até ao momento, da presidência de Obama tem sido o total insucesso no cumprimento da promessa de mudança no modo de fazer política em Washington, como tão bem ficou comprovado com as recentes polémicas que envolveram a Casa Branca a oferecer cargos na administração em troca da desistência de candidatos que desafiavam, nas primárias do partido, senadores democratas.

– Os números da Taxa de Aprovação mantêm-se, teimosamente, na casa dos 50 por cento, às vezes menos. Se as eleições presidenciais de 2012 fossem hoje, Obama corria mesmo o risco de não ser reeleito?
– É impossível responder a essa pergunta, porque as eleições americanas são sempre o culminar de um ciclo político de quatro anos e têm de ser enquadradas nessa perspectiva. Além disso, muito dependerá do adversário de Obama e da situação económica da altura. A actual taxa de aprovação de Obama não é fantástica, mas também não é assim tão preocupante. Bill Clinton, em 1994, tinha números semelhantes, senão ainda mais negativos, e conseguiu facilmente a reeleição.

-A 27 de Janeiro, em entrevista à ABC, horas antes do discurso sobre o Estado da União, Obama respondeu assim aos problemas de baixa popularidade e respectivos riscos de falhar a reeleição: «Prefiro ser um muito bom Presidente de um só mandato do que um medíocre Presidente de dois mandatos.» Ele está a conseguir ser um muito bom Presidente, mesmo sem conseguir ser popular?
– É muito difícil ter uma correcta percepção do alcance, da importância e da qualidade de uma presidência logo no momento. Harry Truman, por exemplo, saiu da Casa Branca com uma das taxas de popularidade mais baixas da história e, hoje em dia, é um dos presidentes mais respeitados e elogiados de sempre. Por isso, penso que só a história dirá se Obama é e será um bom presidente. Mas, nesta primeira metade do seu mandato, é um facto que já conseguiu vitórias importantíssimas, com a reforma da saúde à cabeça, a colocação de uma sua nomeada no Supremo Tribunal (e outra a caminho), mas também a nível externo, com destaque para a assinatura do tratado START.

-- A Economia será, mais uma vez, a questão crucial – como foi, para o mal, para Bush pai, e para o bem para Bill Clinton?– Sem dúvida nenhuma. Apesar das vitórias que Obama já conseguiu e de outras que possa eventualmente vir a alcançar, o grande teste à sua presidência será sempre a situação económica do país. A economia será, então, o grande obstáculo entre Obama e um segundo mandato. Se a economia melhorar e o desemprego diminuir, as perspectivas de Obama se manter na Sala Oval até 20 de Janeiro de 2017 ser-lhe-ão extremamente favoráveis. Caso contrário, corre o sério risco de se ficar por 2013.
- Na Reforma da Saúde, Obama teve sempre a opinião pública contra ele, mesmo depois da aprovação final. Na Reforma Financeira, o sentimento «anti-Wall Street» que se vive na «Main Street» pode ajudá-lo?
– A confirmar-se o apoio popular a esta reforma financeira – é preciso recordar que a reforma da saúde era, há dois anos, extremamente popular – essa poderá ser uma vantagem para os democratas. Nos Estados Unidos, as sondagens e os índices de aprovação são factores muito importantes na altura em que os congressistas e senadores têm de votar um determinado tema, ainda mais com as eleições intercalares à porta. Assim, se os estudos de opinião continuarem a mostrar que esta reforma financeira conta com o apoio da maioria dos americanos, isso poderá ser um grande trunfo que os democratas jogarão para conseguir atrair alguns republicanos a votarem do seu lado.

- Entre os nomes que se perfilam do lado republicano para 2012, quem lhe parece estar melhor colocado para desafiar Obama: Sarah Palin, Mike Huckabee, Tim Pawlenty, Mitt Romney? Vê uma outra solução plausível além destas quatro?
– A essa shortlist acrescentaria ainda o nome de Newt Gingrich, o speaker da Câmara dos Representantes nos anos Clinton, que é visto por muitos como o representante da ala intelectual do GOP e que parece estar a preparar-se para se candidatar. Deste grupo, penso que Huckabee e Palin não teriam qualquer hipótese de derrotar Obama, dado serem bem mais conservadores que o eleitor americano médio. Mitt Romney é, até ao momento, o favorito a conseguir a nomeação do Partido Republicano e as suas credenciais como gestor de sucesso podem ser importantes, numa altura em que a economia é a maior preocupação dos americanos. Porém, as suas contradições em muitos temas, como na da reforma da saúde, ao criticar o plano de Obama depois de ter promovido uma reforma muito semelhante quando era governador do Massachusetts, devem ser-lhe muito prejudiciais nas primárias do GOP. De qualquer maneira, penso que o maior perigo para estes nomes será alguém com um perfil como o de Pawlenty ou Mitch Daniels, o governador do Indiana, ou seja, um governador estadual que possa fazer campanha com base numa mensagem anti-Washington e sem um historial de voto no Congresso que possa ser utilizado pelos seus adversários como arma de arremesso.

- Como vê os papéis do vice-presidente Joe Biden e da secretária de Estado Hillary Clinton na Administração Obama? – Joe Biden tem tido um perfil relativamente discreto, pelo menos quando comparado com o último vice-presidente, Dick Cheney, que foi, porventura, o mais activo e mais influente vice-presidente da história. Contudo, tem tido um papel relevante na área onde se sente mais à vontade – as relações externas. Por exemplo, o seu envolvimento nas relações entre os Estados Unidos e Israel, um tema que domina a actualidade, tem sido preponderante. Por sua vez, Hillary Clinton, outrora a grande rival de Obama, tem cumprido de forma tranquila e competente o papel de líder da diplomacia americana, conseguindo, no Departamento de Estado, o que nunca conseguiu nem na Casa Branca, nem no Senado – um grande índice de popularidade.
-- Será de admitir que Hillary opte por não entrar numa segunda Administração Obama (2013-2017), talvez a olhar para uma nova candidatura presidencial em 2016?

– Se Hillary Clinton não continuar no Departamento de Estado num eventual segundo mandato de Obama, isso não representaria propriamente uma surpresa. Até porque, por norma, um secretário de Estado cumpre, no máximo, quatro anos no cargo. Foi assim com os últimos cinco responsáveis máximos da diplomacia americana (Condoleezza Rice, Colin Powell, Madeleine Albright, Warren Christopher e Lawrence Engleburger). Desde Dean Rusk, nas administrações de John Kennedy e Lyndon Johnson, que um secretário de Estado não cumpre dois mandatos. Desta forma, a sua não continuidade na administração Obama não significaria, à partida, um passo rumo a uma candidatura em 2016. Além disso, Hillary terá, por essa altura, 69 anos e a própria tem posto de parte a hipótese de concorrer novamente à presidência. Contudo, penso que Hillary ainda ambicionará o antigo cargo do seu marido, ainda para mais quando goza de uma grande popularidade entre o eleitorado americano. Assim, tudo dependerá dos resultados de 2012 e do clima político que se seguir a essas eleições.

- As características de Obama, como candidato, permitiram-lhe obter votações muito superiores às que, habitualmente, são conseguidas por um democrata. O que aconteceu, em apenas ano e meio, para que esse enorme capital político conquistado por Obama a 4 de Novembro de 2008 tenha encolhido tanto?
– De facto, Obama conseguiu uma grande vitória na eleição presidencial, especialmente se nos lembrarmos que o último presidente democrata não-sulista foi John Kennedy, há meio século atrás. Todavia, o cenário político de 2008 era extremamente favorável aos democratas, com o eleitorado americano a desejar mudar de página depois de oito anos da administração republicana de George W. Bush, um presidente muitíssimo impopular, no final do seu mandato. Desde aí, Obama gastou grande parte do seu capital político na luta fratricida que disputou para conseguir fazer aprovar a reforma da saúde. Mas, mais importante ainda, os americanos estão desiludidos com a falta de sintomas de recuperação económica e com o clima político de Washington, partidário, conflituoso e que Obama não veio alterar, como havia prometido durante a campanha.

- Consegue destacar as três maiores virtudes e os três maiores defeitos de Barack Obama enquanto político?– Parece-me que a capacidade de inspirar e motivar, a abnegação em conseguir os seus objectivos e a coragem em gastar o seu capital político para alcançar as metas em que acredita são qualidades que moldam a personalidade política de Obama. No que diz respeito aos defeitos, penso que Obama lida mal com a crítica, ainda não conseguiu ser como presidente o excelente comunicador que foi como candidato e, por vezes, é demasiado agressivo na perseguição dos seus objectivos, o que pode ser confundido com prepotência.
-Sendo os EUA um país com um sistema político tão marcado pelo sistema de «checks and balances», será possível assistirmos a uma diminuição do clima de tensão e hostilidade entre democratas e republicanos ainda durante a «era Obama»?
– No panorama actual será muito difícil. Contudo, se os republicanos conseguirem, depois das eleições de Novembro, o controlo das duas ou mesmo de uma câmara do Congresso, a aprovação de qualquer legislação obrigará a um entendimento entre democratas e republicanos, como aconteceu em 1994 e em 2006, quando o partido que dominava a Casa Branca perdeu o controlo do Congresso para a oposição.

- Prevê uma vitória republicana nas «midterms» de Novembro tão ampla que implique uma mudança de controlo político no Congresso?– Se as eleições fossem hoje, esse seria um cenário possível, especialmente na Câmara dos Representantes, onde os republicanos têm boas hipóteses de fazer com que Nancy Pelosi passe de speaker a líder da minoria. Por agora, colocaria essa probabilidade na casa dos 50%. Já o caso do Senado é bem diferente: é natural que os republicanos ganhem cerca de meia dúzia de lugares na Câmara Alta, mas, tendo em conta que os democratas gozam de uma maioria de 59 senadores (entre eles, dois independentes) contra 41 do lado republicano, não prevejo que o GOP passe a ser o partido maioritário no Senado. Esse é um cenário possível, mas não provável.

«Entre os liberais e os centristas»
- Numa análise mais ideológica, considera Obama um político mais próximo dos liberais ou dos «Blue Dogs»? Mais à esquerda ou mais centrista?
– Colocá-lo-ia algures entre essas duas posições. Ou seja, Obama não é um centrista puro, como era, por exemplo, Bill Clinton, mas também não é, de forma nenhuma, um Walter Mondale ou um George McGovern, antigos candidatos presidenciais democratas e bem mais à esquerda do que Obama. Caracterizaria o actual presidente democrata como um liberal moderado, o que não agrada a nenhum dos extremos políticos: os mais conservadores consideram Obama o presidente mais liberal de sempre e apelidam-no de comunista, enquanto as facções mais liberais dos democratas criticam-no por não tomar medidas suficientemente liberais e dizem-se desiludidas com a sua governação.

- Que trunfos poderá Obama jogar até Janeiro de 2013? Ou melhor, até ao Verão de 2012, dado que, a partir daí, talvez não haja tanto uma governação, mas um aceso duelo eleitoral...
– O maior trunfo que poderá jogar será sempre o da melhoria na situação económica do país, caso tal venha a suceder. Depois, poderá fazer campanha utilizando algumas das realizações da sua administração, contrapondo-as com a falta de vontade dos republicanos em colaborar ou chegar a um compromisso, caracterizando o GOP como o partido do “não”. Por fim, penso que continuará a utilizar a mesma mensagem que utilizou na sua primeira campanha presidencial, salientando que a “mudança” não se consegue facilmente e que é preciso tempo e paciência para se alterar as políticas de Washington, pedindo, dessa forma, um segundo mandato aos americanos.»

domingo, 15 de agosto de 2010

Histórias da Casa Branca: O paradoxo Obama


Texto publicado no site de A BOLA, secção Outros Mundos, a 14 de Agosto de 2010:

O paradoxo Obama

Por Germano Almeida


«Esqueçam o «fantasma Carter»: quem, como Barack Obama, conseguiu aprovar a Reforma da Saúde e a Reforma Financeira em menos de metade de um mandato já não corre o risco de passar por uma presidência falhada. Os que tentam equiparar o actual Presidente ao antigo governador da Geórgia estão a ignorar as conquistas objectivas que Obama já assegurou em tão pouco tempo. O que está a correr mal, então?

Antes do mais, o momento político em que Obama emergiu. Nem houve tempo para saborear a euforia: os primeiros meses foram gastos na aprovação de um gigantesco Plano de Recuperação e Reinvestimento que custou a Barack a perda de uma boa parte dos independentes que, a 4 de Novembro de 2008, votaram nele numa proporção de quase 7 para 3, em relação a John McCain.

E o maior problema é que as perspectivas no plano económico são de uma recuperação tão lenta, mas tão lenta, que dificilmente impedirão os democratas de sentirem fortes repercussões eleitorais nas «midterms» de Novembro.

No campo democrata, o nervosismo é evidente. Há alguns sinais que apontam para uma certa divergência de posições entre a Casa Branca, liderada por Barack Obama, e os congressistas democratas que, supostamente, constituiriam a sua principal base de apoio político, no Capitólio.

Harry Reid, líder da maioria democrata no Senado, foi um forte aliado de Obama na «final push» pela aprovação da Reforma da Saúde, mas terá desabafado, por mais do que uma vez, nas últimas semanas, junto de outros congressistas democratas, que o Presidente deveria ser menos tolerante ao compromisso com os republicanos, em questões fundamentais para o Partido Democrata.

A tensão era quase inevitável, num político com as características singulares de Obama: nas eleições presidenciais, conseguiu juntar segmentos até então inconciliáveis. Mas, como Presidente, esta junção improvável de centrismo em questões como o Afeganistão, o Iraque ou mesmo o controlo de fronteiras e «intervencionismo» em temas económicos, com forte propensão para o «big government», tem grandes riscos de lhe criar problemas.

Indefinição
Num tempo em que os rótulos são importantes, esta junção desconcertante põe muito boa gente confusa: mas, afinal, Obama é liberal ou centrista?

Podíamos apontar três ou quatro exemplos de decisões importantes da sua ainda curta Presidência para sustentar uma tese... ou outra. A conclusão terá que ser, por isso, a de que Obama não se tem preocupado em colar-se a nenhuma «tribo» – mas o problema é que, com essa atitude invulgar, acaba por não receber a legitimação de nenhum dos lados.

Os liberais não lhe perdoam decisões como o reforço de tropas no Afeganistão ou a progressiva intenção de limitar a entrada de imigrantes ilegais em território americano. Os centristas (e os republicanos moderados, que em alguns estados lhe deram a vitória há ano e meio) continuam a olhar para Obama como um Presidente «demasiado liberal».

Recente sondagem aponta para que 57 por cento dos eleitores americanos têm essa opinião sobre Barack, o que explicará, em parte, os seus problemas de popularidade.

Comunicação
Seria muito improvável imaginar que essa seria uma das principais falhas de Barack Obama, se nos lembrarmos da campanha fantástica que o levou à Casa Branca.

Mas uma análise aos factos é suficiente para perceber que a comunicação está a falhar, pelo menos nesta fase da Administração Obama. A dimensão histórica do que já foi conseguido, e em tão pouco tempo, não está a ter os devidos proveitos políticos.

O desabafo de um conselheiro de topo do Presidente Obama, que falou sob anonimato para uma peça do «Politico.com», assinada por John Harris e Jim Vandehei, diz quase tudo: «Chega a ser frustrante que a Presidência Obama não esteja a parecer um enorme sucesso, quando tinha tudo para o ser. A Reforma da Saúde, a Reforma Financeira, a maior eficácia no Sistema Educativo, a Energy Bill muito bem encaminhada... Conseguem imaginar, por exemplo, Bill Clinton a ter conseguido apenas uma das coisas que Obama já alcançou? Parte dos nossos problemas têm a ver com o facto de estarmos divididos, mesmo à esquerda... E outra parte tem a ver com a cultura de gratificação imediata que nos invadiu».

Contradição
Há, por isso, uma enorme contradição a perseguir Obama: ele corre mesmo o risco de protagonizar a «presidência fracassada mais bem-sucedida da última geração» (a frase, brilhante, é de Peter Daou, antigo conselheiro de Hillary Clinton).

O «paradoxo Obama» está, pois, identificado e definido pelos analistas políticos. Será que Barack vai conseguir sair dele antes de Novembro de 2012?»

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Histórias da Casa Branca: O fantasma de Camp David



Texto publicado no site de A BOLA, secção Outros Mundos, a 5 de Agosto de 2010:

O fantasma de Camp David

Por Germano Almeida


«O problema israelo-palestiniano atravessa várias administrações americanas. É o tema mais delicado nas prioridades da política externa dos EUA. A influência judaica nos postos de poder em Washington é indisfarçável, estejam os democratas ou os republicanos na Casa Branca -- mas a América continua a ser o intermediário mais poderoso de um conflito que parece não ter solução.

Numa altura em que, em Washington, está no poder um Presidente com fama de conseguir resolver o que parecia, à primeira vista, insolúvel, a verdade é que Barack Obama ainda não colocou a questão israelo-árabe como primeira prioridade na sua tão vasta e complexa agenda.

Mesmo assim, Obama já deu sinais claros de que a posição americana deixou de ser de clara preferência por Israel – como tinha sido, erradamente, durante os oito anos de George W. Bush.

O cartão amarelo que o governo de Netanyahu levou, em Março, desta administração depois do anúncio da construção de 1600 novos apartamentos em Jerusalém Oriental, em territórios que são reclamados pelas duas partes foi a maior prova de que, na era Obama, o discurso americano passou a ser mais equilibrado.

Os avisos da secretária de Estado, Hillary Clinton, lançados precisamente após esse gesto desafiador do governo de Netanyahu, não deixam margem para dúvidas: «Israel vai ter que fazer escolhas difíceis. O actual estado de coisas é insustentável.»

Mas convém não exagerar nas interpretações: esta posição severa da Administração Obama para com Telavive não é, propriamente, uma viragem de 180 graus.

Basta reparar que, no mesmo discurso, feito no American Israel Public Affairs Comittee, Hillary Clinton recordou que «os Estados Unidos têm para com os israelitas um compromisso, sólido como uma rocha, na garantia da segurança do estado de Israel.» E a chefe da diplomacia dos EUA foi mais longe: «Essa garantia não é, para mim, uma mera opção política. É um compromisso pessoal, do qual nunca irei abdicar.»

A aparente ambiguidade no discurso de Hillary (primeiro duro, depois protector) em relação a Israel é reflexo do que se passa no Departamento de Estado, que ela própria chefia: uma boa parte dos seus adjuntos e assessores são judeus e/ou têm fortes ligações a Israel. Mas foi com Obama e Hillary que a «two states solution» passou a ser, sem hesitações, a posição de Washington em relação ao conflito Israel/Palestina...

A intransigência de Arafat
Há precisamente dez anos, o marido da actual secretária de Estado esteve muito, muito perto de entrar para a História como o Presidente dos EUA que mais longe chegou neste tema.

Bill Clinton começou o seu primeiro mandato com o que parecia ser, na altura, um grande sucesso diplomático: os Acordos de Oslo, assinados em Setembro de 1993.

A imagem de Arafat e Rabin a apertarem demoradamente a mão, com o então Presidente americano ao meio, ainda hoje é recordada – e parecia ser o início de uma etapa mais distendida.

Mas, mais uma vez, essa imagem não teve correspondência com o que se passou a seguir. O assassinato de Yitzhak Rabin, por um extremista judeu, veio radicalizar posições em Israel. Os anos que se seguiram foram de retrocessos nas negociações – sobretudo com o endurecimento verificado na primeira era de Netanyahu no poder, a meio da década de 90, e com o enfraquecimento interno de Arafat, do lado palestiniano.

O regresso dos trabalhistas ao poder em Israel, com Ehud Barak, deu uma nova oportunidade ao processo de paz. Estávamos no ano 2000, a poucos meses do final do segundo mandato de Bill Clinton.

Depois de oito anos dourados do ponto de vista económico, mas com resultados contraditórios no plano externo (e o bombardeamento a Belgrado como mancha), Clinton estava profundamente empenhado em conseguir um acordo histórico entre Ehud Barak e Yasser Arafat. E estava disposto a passar os dias que fossem precisos com os líderes de Israel e da Autoridade Palestiniana até que se chegasse a bom porto.

Ehud Barak é um dos mais respeitados militares da história israelita – e estava na disposição de fazer concessões que, até à altura, ainda não tinham sido admitidas por Telavive.

Yasser Arafat, líder contraditório, teve ao longo dos anos faces muito diferentes para com os EUA: primeiro foi visto como um terrorista, depois passou a ser recebido como o interlocutor mais legítimo do lado palestiniano.

Tão perto de fazer História
Em Camp David, corria o mês de Julho de 2000, Clinton, Barak e Arafat estiveram quase, quase a fazer História, ao fim de duas semanas seguidas de duras negociações. O então primeiro-ministro israelita estaria na disposição de admitir uma Palestina independente, com 92 por cento da Cisjordânia e capital em Jerusalém Oriental. Mas nem isso chegou para fazer Arafat ceder.

Bill Clinton conta no seu livro de memórias, «A Minha Vida» (editado em Portugal pela «Temas e Debates»): «Regressei no décimo terceiro dia das conversações e passámos uma noite inteira a trabalhar, sobretudo em questões de segurança. Fizemos o mesmo no décimo quarto dia e já passava das três da manhã quando desistimos. O controlo efectivo do Monte do Templo e de toda a Jerusalém oriental não era suficiente para Arafat sem a palavra 'soberania'. Num esforço de última hora, ofereci-me para tentar convencer Barak a aceitar a soberania total nos bairros exteriores de Jerusalém oriental, a soberania limitada nos interiores e a soberania «de custódia» no Haram. Arafat voltou a dizer que não. Encerrei as conversações. Era um desfecho frustrante e profundamente triste. Eram poucas as diferenças entre as duas partes quanto ao modo como os problemas relativos a Jerusalém seriam geridos; era apenas uma questão de soberania.»

Para Clinton, a teimosia de Arafat impediu que se tivesse chegado a um acordo com condições que dificilmente se repetirão: «Arafat quisera prosseguir as negociações e mais de uma vez reconheceu que talvez nunca mais deparasse com um governo israelita nem com uma equipa americana tão empenhados na paz. Era difícil perceber o que o levara a mostrar-se tão inflexível.»

Uma década perdida
O tempo veio dar razão aos lamentos de Bill Clinton. A década que se seguiu a Camp David, e que agora se completa, foi, na prática, uma década perdida na questão israelo-árabe. Em Taba (Janeiro de 2001), Ehud Barak manteve o essencial do que oferecera em Camp David, mas com o triunfo eleitoral de Ariel Sharon, Israel mudou os dados do jogo, pouco depois.

O Roteiro para a Paz, que marcou o ‘tandem’ Bush-Sharon nos primeiros anos da década, pouco tinha a ver com o que esteve perto de ser assinado em Camp David. Só em Novembro de 2007, já com Bush no fim e a mudança perto de chegar a Washington, se estabeleceu o compromisso de «dois Estados, dois povos», em Annapolis.

Num conflito com tantos obstáculos como é o problema israelo-palestiniano, a História irá sempre ter novos capítulos. Infelizmente.»

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

«Happy Birthday, Mr. President» - Barack Obama faz hoje 49 anos



Barack Obama completa hoje 49 anos. É, por isso, um dos poucos Presidentes da história americana festejar o aniversário abaixo dos 50 (o que já tinha acontecido, aliás, há um ano, quando fez 48 e cumpria os primeiros meses na Casa Branca).

O aniversário de Obama ocorre numa altura em que a taxa de popularidade se mantém em níveis preocupantes. Talvez por cauda disso, o Partido Democrata aproveitou a data para organizar centenas de festas de aniversário por toda a América, numa forma original de mobilizar as bases do partido que apoia o Presidente -- já com as intercalares de Novembro na mira...

«On his 49th birthday Wednesday, President Obama received a promised "gift" from his friends at the Republican National Committee, in the form of a new Web site.

Web surfers who sign onto the new page will be presented with more than a dozen cards to choose from, including ones featuring Harlem Rep. Charles Rangel, House Speaker Nancy Pelosi, and former Illinois Gov. Rod Blagojevich.

"Congrats on your big day!" reads the e-card from the indicted former governor. "In honor of your birthday, I decided not to testify."

Rangel's card says: "For your birthday, I will go quietly," a reference to the congressman's efforts to fight ethics charges.

But perhaps the best one is the card with Vice President Biden's face on it: "For your birthday, you won't hear a f@#&ing peep out of me."

The RNC went the extra mile to mark Obama's big day, offering to send the birthday cards to as many friends as the Web surfers want, free of charge. (Of course, no one would be surprised if the party held onto those e-mail addresses, and maybe hit them up for a little extra cash this fall.)

The birthday card site is a response to Democratic efforts to make political hay out of the president's 49th birthday by organizing parties around the country and blasting e-mails to the famed Obama e-mail list.

Blaming Bush
In his fundraising speech in Atlanta on Monday, Obama made the political argument that is the foundation of the Democratic message this fall, but with a twist.

Like before, he said the election this fall is a choice, between going forward (with his policies) or going backward (to those of the Republicans). But then he added a line that he hasn't used much since the campaign.

"They don't have a single idea that's different from George Bush's ideas -- not one," he said, invoking the former president directly by name and linking the GOP of today to his unpopular predecessor.

That message tracks closely with, though is probably not a result of, a recent poll making the rounds on Capitol Hill in the past several days. Paid for by the liberal-leaning Third Way think tank and conducted by Democratic pollster Pete Brodnitz of the Benenson Strategy Group, the poll had some interesting findings.

Chief among them was this startling nugget: that only 25 percent of the Americans surveyed thought that the current Republican leadership wanted to return to the economic policies of the Bush administration.

If true, that would appear to undercut the basic Democratic message for the election. In an interview Tuesday, Brodnitz said that "voters don't necessarily assume that today's Republicans will repeat the policies of the past. I personally feel like today's Republicans are getting away with murder."

The answer, Brodnitz said, is for Democrats to become much more explicit about connecting the Republicans of this Congress to Bush's policies, from which the country sharply departed at the end of 2008.

"When people understand that's the choice, it favors Obama," he said. "We really have to point out that is the choice." (Like maybe saying that the current GOP doesn't have a "single idea" that is different from Bush? Where have we heard that before?)

But there's a danger in heading too far in that direction. Elections are about the future, not the past, and making the 2010 elections all about Bush risks trying to replay the last election when the voters have moved on.

Surveys have suggested that people believe Obama owns the economy now, despite a recognition of how bad things were when he started. Blaming Bush was the centerpiece of the 2006 election cycle and again in 2008. A third time may not be a charm.

Brodnitz argues there's a way to do both. "An effective way to do it is to show that in the future, what you're looking at is going back to the failed policies of the past."

It seems like the president and his allies are prepared to make that argument. Whether it works or not will be determined in about three months.

The future is nowAnd if there was any doubt that the message will be oft-repeated, here's the guidance from the White House about the president's remarks to the AFL-CIO, which are scheduled for later this morning.

"The president will discuss the steps we have taken to rebuild the economy and create jobs, and the fact that while we have a long way to go, we are headed in the right direction," he will say, according to officials. "The president will continue to lay out the choice we face on the economy today: whether to move forward on new ways to create jobs and strengthen our recovery, or go back to the failed policies of the past that led to a decade of economic insecurity for the middle class, culminating in a recession that has cost 8 million jobs."

Sound familiar?»

in WASHINGTON POST.com

terça-feira, 3 de agosto de 2010

Histórias da Casa Branca: entrevista a José Gomes André


Entrevista a José Gomes André, no texto 60 do Histórias da Casa Branca, site de A BOLA, secção Outros Mundos:

Por Germano Almeida

«Ainda integrado no balanço do primeiro ano e meio da Presidência Obama, o «Histórias da Casa Branca» publica uma entrevista com José Gomes André, membro do Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa e autor do «Sistema Político e Eleitoral Norte-Americano: um Roteiro», trabalho incluído em «O Regresso da América», de Viriato Soromenho-Marques, Esfera do Caos, 2008.

José Gomes André doutorou-se em Filosofia Política com uma dissertação dedicada ao pensamento político de James Madison. Encontra-se, actualmente, a trabalhar num pós-Doutoramento sobre federalismo moderno e contemporâneo. Publicou diversos artigos sobre filosofia política, traduziu a obra de John F. Kennedy, “Profiles in Courage” (“Retratos de Coragem”, Esfera do Caos, 2008) e foi o consultor da edição portuguesa de “Uma História Americana: os Melhores Discursos de Barack Obama” (Esfera do Caos, 2008).

Escreve na blogosfera desde 2003, sendo actualmente colaborador no "Delito de Opinião" e no "Era uma vez na América" (www.eraumaveznaamerica.blogs.sapo.pt), blog dedicado à política e cultura nos EUA.

- Com um ano e meio de Administração Obama cumpridos, que balanço faz do que já foi feito?
- De um modo geral, Obama tem sido um Presidente reformista e corajoso, cumprindo a esmagadora maioria das suas propostas. No plano interno, obteve uma vitória histórica com a reforma da saúde, orquestrou uma importante reforma do sistema financeiro (ainda em discussão) e fomentou alterações relevantes em áreas como o ambiente ou a educação. Também na política internacional julgo que tem seguido a abordagem correcta, promovendo uma aproximação política e económica com as denominadas potências emergentes (Rússia, China, Índia), isolando o Irão e procurando gerar diálogos com o “Islão moderado”. Em todo o caso, a sua Presidência fica também marcada pela sua incapacidade para superar a grave crise económica (e social) dos Estados Unidos, tema que, pela sua importância e carácter mediático, impede que se trace, até agora, um balanço claramente positivo do seu mandato.

- Os números da Taxa de Aprovação mantêm-se, teimosamente, na casa dos 50 por cento, às vezes menos. Se as eleições presidenciais de 2012 fossem hoje, Obama corria mesmo o risco de não ser reeleito?
- Aparentemente, sim. A fragilidade da economia e os números do desemprego produziriam certamente muitos votos de protesto. E a base democrata não tem obviamente a mesma motivação de há dois anos atrás, pelo que Obama teria certamente dificuldades. Todavia, o Partido Republicano não tem neste momento um candidato forte capaz de discutir a eleição presidencial, estando demasiado dependente de nomes promissores, mas demasiado inexperientes (Sarah Palin, Bobby Jindal), ou consolidados, mas pouco entusiasmantes (Mitt Romney, Newt Gingrich). Nestes termos, Obama seria favorito – como julgo que acontecerá daqui a dois anos.

O peso da Economia
- A 27 de Janeiro, em entrevista à ABC, horas antes do discurso sobre o Estado da União, Obama respondeu assim aos problemas de baixa popularidade e respectivos riscos de falhar a reeleição: «Prefiro ser um muito bom Presidente de um só mandato do que um medíocre Presidente de dois mandatos.» Ele está a conseguir ser um muito bom Presidente, mesmo sem ser popular?

-- É difícil julgar o que é uma boa Presidência, porque essa apreciação está condicionada pelas nossas expectativas e pelos nossos valores ideológicos. O que é bom para um Democrata poderá não ser para um Republicano e vice-versa. De qualquer modo, e para um observador externo, diria que é especialmente entusiasmante encontrar em Obama um político que procura cumprir as suas propostas eleitorais. Do ambiente à política externa, da educação à saúde, Obama tem sido surpreendentemente fiel às suas ideias e argumentos, tal como foram positivamente sufragados em 2008. Mas, feliz ou infelizmente, a opinião pública da sua acção está inevitavelmente ligada com o estado da economia – e este, como sabemos, não é de todo favorável...

- A Economia será, mais uma vez, a questão crucial – como foi, para o mal, para Bush pai, e para o bem para Bill Clinton?
-- Todos os estudos de opinião assim o indicam. Há ocasiões onde temas específicos se tornam particularmente relevantes (como sucedeu após o 11 de Setembro, por exemplo), mas a maioria dos eleitores tem em elevada consideração o estado da economia no momento do voto. Se a situação não melhorar substancialmente nos próximos dois anos, Obama será possivelmente punido nas urnas.

- Na Reforma da Saúde, Obama teve sempre a opinião pública contra ele, mesmo depois da aprovação final. Na Reforma Financeira, o sentimento «anti-Wall Street» que se vive na «Main Street» pode ajudá-lo?
- Certamente. Criar maiores restrições às operações financeiras, juntando-lhe uma retórica moderadamente anti-capitalista, é uma medida popular em qualquer país do mundo. E julgo que Obama contará até com o apoio (implícito, provavelmente) de vários sectores ligados à banca e aos negócios financeiros, que anseiam igualmente por esta reforma. Há uma tendência para demonizar a alta finança devido ao que sucedeu com a crise mundial, mas há muita gente do meio que perdeu fortunas nos últimos anos, porque respeitaram as regras ao passo que outros não o fizeram.

Os adversários e Hillary
- Entre os nomes que se perfilam do lado republicano para 2012, quem lhe parece estar melhor colocado para desafiar Obama: Sarah Palin, Mike Huckabee, Tim Pawlenty, Mitt Romney? Vê uma outra solução plausível além destas quatro?

-- As sondagens e os “media” têm falado sobretudo deste quarteto, mas dois anos em política é uma eternidade (pensemos onde estava Obama em 2006...). De qualquer forma, é provável que um destes nomes referidos acabe por vencer as primárias republicanas. Tratam-se porém de perfis políticos muito distintos. Palin e Huckabee representam o sector mais conservador do GOP, ao passo que Romney e Pawlenty surgem fundamentalmente como tecnocratas e mais moderados. Romney, pela sua experiência política e domínio da área económica, é o meu favorito, mas terá de melhorar a sua capacidade de comunicação e resistir à retórica populista de Sarah Palin, talvez a sua maior opositora.

- Como vê os papéis do vice-presidente Joe Biden e da secretária de Estado Hillary Clinton na Administração Obama?
-- São dois casos distintos. Por questões estruturais, o vice-presidente é uma figura pouco importante no sistema político americano. Embora em segundo lugar na hierarquia do Estado, dispõe de escassos poderes decisórios, sendo a sua intervenção essencialmente simbólica. O caso da secretaria de Estado é totalmente distinto, pois dela depende grande parte da política externa americana. Se juntarmos a este facto a personalidade forte de Hillary Clinton, percebemos que tal posição é nesta altura uma das mais importantes no quadro político dos EUA. E boa parte dos sucessos de Obama na política internacional devem-se à tenacidade e capacidade intelectual de Hillary, não tenhamos dúvida.

- Será de admitir que Hillary opte por não entrar numa segunda Administração Obama (2013-2017), talvez a olhar para uma nova candidatura presidencial em 2016?
- Parece-me possível, mas receio que se venha a revelar uma estratégia perdedora. Em 2016, Hillary terá 69 anos, o que não deixará de ser um handicap num quadro político dominado pelos novos media e pelo chamado “carácter apelativo dos candidatos” (infelizmente, cada vez mais importante). Por outro lado, essa aposta pressuporia um terceiro triunfo consecutivo para os Democratas em eleições presidenciais, algo que não acontece desde 1940. Acredito que Hillary se candidate em 2016, mas duvido muito que ganhe o combate com os Republicanos.

- As características de Obama, como candidato, permitiram-lhe obter votações muito superiores às que, habitualmente, são conseguidas por um democrata. O que aconteceu, em apenas ano e meio, para que esse enorme capital político conquistado por Obama a 4 de Novembro de 2008 tenha encolhido tanto?
-- Em primeiro lugar, é importante contextualizar a vitória de 2008, que vem na sequência de uma Presidência falhada (de George W. Bush) e de um cansaço generalizado do eleitorado relativamente ao Partido Republicano. Por outro lado, dadas as colossais expectativas que envolviam a candidatura de Obama, é natural que o eleitorado sinta alguma desilusão ao fazer um balanço da sua Presidência. O problema não é tanto os erros ou incapacidades de Obama, mas o facto de se ter previamente difundido a ideia de que a sua chegada ao poder seria suficiente para corrigir radicalmente as injustiças e os problemas sociais e económicos.

- Consegue destacar as três maiores virtudes e os três maiores defeitos de Barack Obama enquanto político?
- As virtudes: tenacidade, inteligência e eloquência. Os defeitos: dificuldade em dialogar com os adversários (especialmente quando esta era uma sua “bandeira”); é pouco intuitivo e talvez excessivamente sobranceiro.

- Sendo os EUA um país com um sistema político tão marcado pelo sistema de «checks and balances», será possível assistirmos a uma diminuição do clima de tensão e hostilidade entre democratas e republicanos ainda durante a «era Obama»?
- Não julgo que uma coisa tenha a ver com a outra. O sistema de «checks and balances» é anterior ao surgimento dos partidos, estando relacionado com a existência, no quadro político, de uma série de mecanismos institucionais que criam dinâmicas de controlo mútuo entre órgãos de decisão. A ideia de uma vigilância recíproca entre os vários focos de autoridade política é algo de fundamental no sistema político americano, independentemente dos seus actores. O clima de tensão partidária não brota deste sistema, mas sim de uma radicalização do discurso ideológico nos anos 60, adensado no final dos anos 90, com as chamadas “culture wars”. Nessa altura, os partidos deixaram de ser meros grupos políticos para se tornarem representações simbólicas de valores morais ou sociais. O debate de “ideias” tornou-se, em grande medida, numa disputa de “crenças”, mais emotiva que racional. Num quadro deste género, é muito difícil promover aproximações entre partidos ou defender estratégias de cooperação política. É sobretudo por este motivo que os partidos americanos estão hoje dominados pelas franjas mais radicais (à esquerda e à direita), tendo os moderados dificuldade em se afirmarem num terreno discursivo e político tão hostil.

- Prevê uma vitória republicana nas «midterms» de Novembro tão ampla que implique uma mudança de controlo político no Congresso?
- Essa mudança é provável no caso da Câmara dos Representantes, onde os Republicanos irão conquistar vários lugares (algumas dezenas, na verdade). Como estamos a falar de 430 eleições individuais, é difícil fazer projecções, mas as sondagens indiciam uma derrota clara dos Democratas nesta câmara. O caso do Senado é mais bicudo, pois os Republicanos necessitam de recuperar dez lugares em trinta e sete disputas. Embora favoritos em Estados “equilibrados” (como a Pensilvânia, New Hampshire ou Colorado), dificilmente os Republicanos obterão uma vitória tão expressiva que lhes permita conquistar a câmara alta do Congresso.

- Numa análise mais ideológica, considera Obama um político mais próximo dos liberais ou dos «Blue Dogs»? Mais à esquerda ou mais centrista?
-- Contrariamente a mistificações que se difundiram sobretudo na internet e nos famosos programas de rádio americanos, Obama é acima de tudo um moderado. Nalgumas questões podemos encontrar no seu programa político maiores concessões à esquerda (temas de ambiente, política de saúde), mas existem desde logo “nuances” que tornam essa definição difícil (é o caso das questões ditas “sociais”, onde Obama não é de todo um “liberal” à americana – defende a pena de morte, por exemplo). Tal é particularmente visível em relação à política externa, onde Obama combina um internacionalismo de matriz claramente de Esquerda (na linha de JFK), com uma retórica nacionalista (habitualmente associada a outros quadrantes).

- Que trunfos poderá Obama jogar até Janeiro de 2013? Ou melhor, até ao Verão de 2012, dado que, a partir daí, talvez não haja tanto uma governação, mas um aceso duelo eleitoral...
- Imagino dois cenários possíveis. Se a economia demonstrar uma recuperação sólida (atenção aos números do desemprego, uma questão fulcral para a opinião pública americana), julgo que Obama não necessitará de jogar nenhum trunfo, bastando-lhe apresentar-se como um dos responsáveis dessa recuperação (ainda que a mesma não dependa totalmente dele, como é evidente). Se, ao invés, a economia não descolar, a alternativa é insistir numa agenda reformista em vários domínios (ambiente, imigração, energia) – como de certa forma tem sido feito – para atenuar a percepção negativa do “estado da nação” no campo económico e mostrar uma imagem de político resiliente em tempos difíceis. O que poderá ser suficiente para lhe garantir a reeleição.

domingo, 1 de agosto de 2010

Chelsea Clinton casou



A filha de Bill e Hillary deu o nó aos 30 anos com Marc Mezvinsky, banqueiro de 32 anos. O casamento do ano decorreu este sábado sobre o Rio Hudson, em Rhinebeck, Nova Iorque.

A lista dos 400 convidados não foi divulgada, mas sabe-se que o nome do Presidente Barack Obama não consta de um rol muito restrito, no qual entraram o actor Ted Danson, a antiga secretária de Estado, Madeleine Albright, Vernon Jordan (advogado muito próximo dos Clinton) e Terry McAuliffe, antigo líder do Partido Democrata e figura destacada da campanha presidencial de Hillary Clinton.