quarta-feira, 24 de março de 2010

Histórias da Casa Branca: Barack & Nancy Care - A Reforma da Saúde nos EUA


Texto publicado ontem no site de A BOLA, secção Outros Mundos:

Barack & Nancy Care - A Reforma da Saúde nos EUA

Por Germano Almeida


Uma vez mais, as notícias sobre o falhanço de Obama revelaram-se precipitadas: a Reforma da Saúde, que tinha sido dada como morta depois da perda da supermaioria democrata, a 19 de Janeiro, foi aprovada na Câmara dos Representantes – e, desta vez, só precisará de uma maioria simples para passar no Senado.

Quer isto dizer que o fantasma do 'filibuster' republicano não impedirá a concretização da principal batalha política do primeiro mandato de Obama. O que foi aprovado na House será sujeito a alterações no Senado, mas sob a forma de 'reconciliation', figura que não exige 60 votos para aprovação.

Neste momento, os democratas têm 59 senadores – e só precisam de uma maioria de 51 para selar uma reforma que estava a ser tentada no último século, desde Teddy Roosevelt.

Em votação histórica, que se prolongou madrugada dentro na câmara baixa, o Congresso norte-americano aprovou, por 219 votos favoráveis e 212 contra, a Reforma da Saúde.

Sem qualquer apoio republicano e com 34 democratas a votar contra – menos, ainda assim, do que havia acontecido na primeira aprovação feita pela Câmara dos Representantes.

Foi uma enorme vitória política para Barack Obama e, como bem lembrou o Presidente, só foi possível graças à «extraordinária liderança da 'speaker' Nancy Pelosi».

Depois da derrota de Martha Coakley no Massachussets, os democratas entraram em estado de choque. Muitos garantiram que, sem a supermaioria, o sonho de Obama de alargar os cuidados de saúde a quase toda a população tinha ido por água abaixo. O próprio Presidente anunciara, no dia seguinte à derrota no Massachussets, que o importante seria «aprovar rapidamente uma versão mais modesta do diploma».

Havia dois caminhos a seguir: tentar preservar uma versão alargada do ObamaCare, mas tendo presente que já não havia os votos suficientes para fazer aprovar a versão final no Senado; ou iniciar com os republicanos uma versão bem mais modesta, evitando, assim, o risco de 'filibuster' (minoria de bloqueio).

Vingou a tese de Nancy
A via mais pragmática era liderada por Rahm Emanuel, o chefe de gabinete de Obama. Rahm já havia começado a negociar como a ala republicana um conjunto de cedências. Mas Nancy Pelosi acreditou que era possível manter o que o Senado tinha aprovado na véspera de Natal (ainda com a supermaioria democrata).

Obama hesitou, porque, numa primeira fase, duvidou dos benefícios de retomar o processo, numa altura em que os democratas ainda estavam a recuperar do choque e perdiam, claramente, o 'momentum' político.

Mas Nancy terá convencido o Presidente de que iria conseguir estabelecer uma nova maioria no Congresso – e persuadiu Obama a aceitar uma 'final push' pela Reforma da Saúde que implicaria dois passos: uma nova aprovação na câmara baixa e uma concretização no Senado pela via da «reconciliação».

A tese de Nancy acabou por vingar – e o sucesso desta madrugada mostrou que o caminho estava correcto. Anne Eshoo, congressista democrata da Califórnia, comentou ao site Politico.com: «Depois do desastre do Massachussets, a speaker Pelosi foi a única que manteve pressão real sobre o Presidente em relação à Reforma da Saúde. Os méritos devem-lhe ser atribuídos».

Reforma histórica
O plano aprovado no Congresso prevê um investimento de 940 mil milhões de dólares, a pagar na próxima década. Alarga o acesso a cerca de 95 por cento da população até aos 65 anos (a população sénior já está coberta com os programas Medicare e Medicaid). Prevê a obrigatoriedade de um seguro de saúde garantido pelos empregadores aos seus funcionários, com a contrapartida de benefícios fiscais. Os portadores de doenças crónicas não poderão ver recusados os pedidos de tratamento por parte das seguradoras.

O actual Sistema de Saúde na América está obsoleto. É caríssimo (representa um sexto do PIB americano) e é injusto (deixa de fora uma grande fatia da população). O plano aprovado cobrirá cerca de 32 milhões dos 47 milhões que se encontram desprotegidos.

Com o ObamaCare, todos os adultos na América terão um seguro de saúde, a partir de 2014 – através do seguro garantido pelo seu emprego, ou de um mercado individual (quem tiver menos rendimentos, receberá ajudas governamentais).

Enorme vitória de Obama
Obama sublinhou a importância do momento histórico: «Depois de quase cem anos de conversa e frustração, e depois de um ano de esforços continuados e debate intenso, o Congresso americano finalmente declarou que os trabalhadores americanos, e as famílias americanas, e os pequenos negócios na América também, merecem ter a segurança de saber que neste país nem a doença nem os acidentes devem pôr em perigo os sonhos que demoraram uma vida inteira a conquistar».

Recuperando um registo que utilizou muito durante a campanha, Barack apontou: «Quando os 'pundits' diziam que já não era possível, ficámos acima do ruído dos políticos. Conseguimos passar à frente da influência dos 'interesses especiais'. Não desistimos perante a desconfiança, o cinismo ou o medo. Em vez disso, provámos que continuamos a ser um povo capaz de fazer grandes coisas. Provámos que este governo, que é um governo 'do povo e pelo povo', continua a ser capaz de trabalhar 'para o povo'».

E sobre os votos favoráveis de congressistas democratas que revelaram muitas reservas quase até à hora da votação, Obama decretou: «Sei que não foi um voto fácil para muita gente – mas foi o voto certo».

Para o Presidente, esta aprovação não marca um triunfo partidário: representa, isso sim, o triunfo do bom senso. «Este debate nunca foi sobre abstracções, uma luta entre Esquerda e Direita, entre democratas e republicanos. Foi sobre algo bem mais importante: é sobre cada americano que sente o choque de abrir uma carta em que fica a saber que os 'premiums' voltaram a disparar, em tempos que já são suficientemente duros. É sobre o desespero de cada pai, que perante uma doença fatal de um filho, não sabe o que mais possa tentar fazer, depois de ouvir repetidamente 'não'. É sobre todos os donos de pequenos comércios, que eram forçados a escolher entre admitir empregados ou manter o seu negócio. Esta não é, por isso, uma vitória partidária. É uma vitória do povo americano e é uma vitória do senso comum.»

O regresso da «change»
Sem temer a contra-resposta que os republicanos já estão a preparar, Obama focou-se no essencial: «Quando a poeira assentar, ficará claro que, a partir de agora, não vigorará um sistema que privilegiava os interesses das grandes seguradoras, mas sim um sistema que integra visões dos dois partidos».

Pelas contas da Administração Obama, a lei que será assinada, nos próximos dias, pelo Presidente reduzirá o défice norte-americano em mais de um bilião de dólares na próxima década e em mais de um trilião de dólares nas próximas duas décadas.

«Não resolverá todos os problemas do Sistema de Saúde, mas move-nos na direcção correcta. É isso que a 'mudança' deve ser», conclui Obama.

Visão bem diferente tem o senador John McCain, do Arizona: «Pela primeira vez na História, será feita uma grande reforma sem o apoio da maioria dos americanos. Quando se vai contra a vontade das pessoas, paga-se um preço».

Os republicanos estão contra esta enorme intervenção governamental na área da Saúde – mas já não conseguirão travar a aprovação do ObamaCare.

A opinião pública, que se tem mantido dividida sobre esta tema, terá uma importante palavra a dizer nas midterms de Novembro.»

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