sexta-feira, 19 de junho de 2009

Ponte para o Islão


Victor Ângelo, o mais antigo funcionário português da ONU, enviado-especial do secretário-geral Ban Ki Moon a diversos países africanos, na Visão:

«O Presidente Obama falou das relações entre os muçulmanos e o Ocidente. Cumpriu, ao mesmo tempo, a tradição. Discursou no local certo. Quando se quer falar ao mundo islâmico sobre novas ideias, a Universidade de Al-Azhar é o sítio mais indicado. Situada no Cairo, uma das cidades de maior simbolismo na história da humanidade, Al-Azhar tem sido, ao longo dos seus mil de anos de existência, um centro de reflexão e de transmissão de conhecimentos. Tem um prestígio sem par na área dos estudos corânicos. Lembro-me que no início da década de oitenta, há quase 30 anos, as Nações Unidas tiveram que recorrer aos pareceres dos letrados de Al-Azhar para arranjar argumentos que permitissem o lançamento de campanhas de planeamento familiar nos países muçulmanos.

O discurso do Presidente americano foi visionário. Uma aposta no futuro, na solidariedade entre culturas diferentes. Marcou uma ruptura com a filosofia que se inspirara na ideia do choque de civilizações. Uma filosofia que ganhara corpo teórico 20 anos atrás, quando cessou a Guerra Fria, e que George Bush, depois do traumatismo do 11 de Setembro, transformara numa justificação ideológica para lançar a campanha contra o terrorismo e invadir o Iraque. As palavras de Obama foram um contributo importante para demolição de todo um edifício de preconceitos, que ambos os lados foram construindo ao longo da história recente. Um edifício que tem os seus alicerces na colonização e na dominação exercida pelo Ocidente, nos ressentimentos que perduraram, na exploração económica, nas trocas desiguais, na ignorância dos valores culturais e espirituais de cada lado. Na falta de respeito mútuo.

Falou sobre o futuro e o destino comum que todos partilhamos. Condenou o extremismo violento, defendeu os direitos humanos, com um acento especial na questão dos direitos das mulheres, a liberdade religiosa e a democracia. Disse não, de uma maneira inequívoca, aos colonatos israelitas nos territórios ocupados, mas sim à existência de dois estados, a Palestina e Israel, viáveis e respeitadores das regras de boa vizinhança. Foi também claro no que respeita ao futuro do armamento nuclear. E ao Irão, um estado fundamental na região, mas que continua prisioneiro de uma lógica de conflito. Não podia deixar de se referir ao Afeganistão e ao Paquistão, e à necessidade de combinar as acções de segurança com uma ajuda maciça ao desenvolvimento económico e social dos seus povos.»

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